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Mano Brown assume
defesa do desarmamento
EM SEUS SHOWS, AO LADO DOS OUTROS TRÊS RACIONAIS, RAPPER USA AS PALAVRAS PARA CRITICAR A CULTURA DA VIOLÊNCIA NA PERIFERIA
A voz de Mano Brown ecoa
forte pela quadra da escola de
samba São João, encravada na
periferia de Mauá, uma das
cidades mais pobres do ABC
paulista. É madrugada alta,
quase 5h do último dia 8,
"um sabadão de primavera
louco", como gosta de dizer
Brown, registrado Pedro Paulo
Soares Pereira, 35 anos.
Líder da "família" Racionais
MC's e ícone seguido por milhares de jovens, Brown faz
uma enquete com os quase
2.000 jovens -alguns poucos
alcoolizados- que o vêem,
paralisados, cantar seus raps
épicos ao lado dos "irmãos"
Ice Blue, Edy Rock e DJ KLJay:
"Vocês são contra ou a favor
do desarmamento?"
Mais da metade dos jovens
levanta a mão para defender
as armas. Brown, então, pede
para um dos jovens a favor
das armas subir no palco e
contar a razão por que assume essa defesa. Nervoso, o
rapaz emenda: "Se os bicos
sujos [inimigos] têm o direito
de ter arma, nós também temos". O público vibra, aplaude. Brown rebate e diz que a
violência, na maioria das vezes, atinge gente igual ao seu
público ou seus familiares.
Após o show, ainda no camarim, Brown se dirige ao repórter do Agora e diz: "Você
viu só, mano, a molecada quer
é andar armada mesmo." Depois de anos sem dar entrevista a um grande órgão da imprensa, Mano Brown falou ao
Agora sobre o referendo para a
proibição ou não da fabricação
e a venda de armas e munições
no Brasil, marcado para dia 23:
Agora: Qual é o seu posicionamento em relação ao referendo do dia 23?
Mano Brown-Sou a favor do
desarmamento, mas essa
argumentação é difícil, devia ser de outra forma. Está
difícil a colocação das palavras. Sim ao armamento ou
sim ao desarmamento. "Vote
sim". Mas o bagulho está
louco, mano, você viu lá no
show, o pessoal quer arma.
Agora: Você tem dois filhos.
Você quer que seu filho pegue em armas amanhã?
Brown-Acontece que as pessoas estão vindo como luta
de classes, tá ligado, mano?
O rico não quer que o pobre
se arme e ele fique desarmado. E o pobre não quer que o
rico se arme e ele fique desarmado. Você viu o argumento do moleque: "Como é
que os policiais vão andar
armados e eu vou andar desarmado?" É meio desigual,
o argumento. Está confuso.
Agora: Principalmente para
o jovem?
Brown-O jovem da periferia
vê na arma um instrumento
para ascender na sociedade
de alguma forma, de ganhar
respeito, coisa que ele não
conseguiria normalmente,
ou não da forma que ele
queria.
Agora: Antes de ser o Mano
Brown, você pensou em andar armado para ser mais
homem ou para ter ascensão
social no seu bairro?
Brown-Andei armado para
me defender. Andei armado
um tempo, não ando mais,
não gosto de arma.
Agora: Isso é público? Você
não esconde que um dia andou armado?
Brown-Não. Andei armado.
Agora: Hoje, você voltaria a
andar, caso corresse risco?
Brown-É difícil porque a
gente não sabe o dia de
amanhã. Mas eu preferiria
não ter uma arma na mão
no momento em que fosse
necessário. Preferiria não
ter. Acho que uma vida humana vale muito mais do
que qualquer coisa, e isso é
irreversível. Muita coisa que
poderia ter sido resolvido na
idéia acabou em morte, pelo
fato de a arma dar essa sensação de controle total.
Agora: No ano passado, segundo o Ministério da Justiça, 2.947 pessoas foram
mortas com armas de fogo só
em São Paulo, e a maioria tinha entre 15 e 24 anos, gente que vinha assistir o seu
show. Como você vê isso?
Brown-Eu enxergo que está
muita pressão em cima dessa
geração que está descendo
para a rua agora, para a
arena, que acabou de sair da
adolescência. Está muito
pressão sobre eles porque a
família, dos que têm, não
consegue retribuir o investimento que a família fez neles. Os que não têm não
vêem motivação de ser um
garoto exemplo, porque os
exemplos que estão sendo
seguidos são os que andam
armados, os que usam a força para conseguir o que querem, seja pobre ou rico.
Agora: Dinheiro fácil, ascensão social fácil?
Brown-Não é fácil porque
nunca é fácil quando você
arrisca a sua própria vida.
Nunca é fácil. O que eu penso
é que muitos amigos meus,
pessoas de quem eu gostava,
poderiam estar vivos hoje, se
não fosse a arma. Porque a
pressão que a molecada está
vivendo vai ser extravasada
violentamente, porque eles
não são ouvidos. Os anos estão passando, um governo
de esquerda já assumiu e era
esperança. As coisas estão
muito lentas e a periferia é
urgente, precisa das coisas
para ontem e as coisas não
estão acontecendo, está
muito nebuloso. Os moleques estão inseguros, eles
têm pressa, eles querem viver
logo, têm ânsia de viver a vida, viver a vida que é vendida, que é oferecida.
Agora: Via parabólica?
Brown-É, pela televisão. Eles
querem viver a vida que todo
mundo fala que é boa, que
os poetas falam. E eles não
estão vendo essa vida, eles
estão vivendo uma vida de
necessidade, de dia-a-dia
difícil, de hostilidade, uma
competição hostil o tempo
todo, começa dentro de casa. É muita gente para pouco
espaço, muita gente para
pouco emprego, muita gente
para pouco dinheiro, poucas
oportunidades, está muito
competitivo.
Agora: Você já contou quantos amigos seus foram mortos a tiros?
Brown-Eu não parei para
contar, mas eu sinto a falta
de vários, vários camaradas
que morreram vítimas de
violência barata mesmo, de
idéia de que poderia resolver
trocando idéia. A arma estava fácil. Armamento abundante na mão de pessoas
sem estrutura, sem equilíbrio, na mão de pessoas problemáticas. A arma não deveria estar na mão de ninguém, nem a polícia deveria
andar armada. É aquilo que
o moleque falou: "Por que a
arma tem que estar na mão
do polícia e na nossa não?"
Acho que a partir do momento em que a polícia tem
o direito de matar, o cidadão
comum também tem. Porque, na verdade, o policial
também é um cidadão comum, o governador também
é um cidadão comum, ele
não tem o direito de matar,
ninguém tem o direito de
matar. Então, tem que desarmar geral, eu sou a favor
de desarmar geral, todo
mundo.
Agora: Você ficou decepcionado, triste, quando, durante o show que terminou,
viu que a maioria dos jovens
quer as armas?
Brown-Eu não fiquei tão
surpreso, entendeu. Talvez
eu já soubesse, mais ou menos, que a resposta seria essa, porque esse argumento é
muito fácil, é o mesmo que
os ricos também estão usando. Eu fico sentido porque sei
que quem, mais uma vez, se
a vontade da periferia for
aquela refletida hoje dentro
do salão lá, as armas vão
continuar na rua. Porque eu
vi que a maioria é a favor do
armamento. Talvez por não
pensar muito, talvez por não
analisar um assunto a fundo, como ele precisa ser analisado. Talvez alguns tenham respondido ali da boca para fora, e se respondeu
da boca para fora é porque
não está pensando tanto no
assunto. Isso é preocupante.
Agora: Você acha que o jovem vai votar de qualquer
jeito no referendo?
Brown-Está aí o que você falou que eu fiquei sentido, foi
isso aí. Eu senti que as pessoas não estão preocupadas
com o assunto, tá ligado?
Tanto faz. Já estão vivendo a
pior parte mesmo, eu estou
vendo que, pelos moleques,
tanto faz ter arma ou não,
eles acham que a vida não
vai melhorar. Eles não acreditam na melhora. Eu vejo
que os jovens estão sem esperança na melhora.
Agora: Você falou em luta de
classes, que o rico quer ficar
armado e quer desarmar o
pobre, é desse jeito?
Brown-É isso o que eu estou
vendo. E o pobre não quer ficar desarmado porque ele
sabe que do outro lado vai
haver muitas armas contra
ele, também. Então virou
quase que uma guerra, né?
Uma guerra fria. O Brasil está
a beira de um... o barril está
para explodir mesmo, hein,
meu. Se o Lula não conseguir
dar um passo, fazer alguma
coisa que as pessoas realmente notem. Se esse governo agora, que vai entrar no
último ano, não fizer alguma coisa que seja visível aos
olhos dos humildes, uma
coisa que faça diferença
dentro da casa das pessoas,
eu acho que a tendência é o
Brasil voltar a ter um governo de direita, morô, meu, de
pessoas que pregam a arma,
pregam a construção de cadeia, tá ligado, que pregam
a repressão, e a periferia
continuar alienada. Agora,
vai se alienar por outras coisas. (André Caramante)
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