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Vergonha na lotação

DE 30 TENTATIVAS DE EMBARQUE, PASSAGEIRAS SÓ FORAM ACEITAS EM SETE VEÍCULOS

A PEDIDO DO AGORA, TRÊS IDOSAS PASSARAM A MANHÃ EM PONTOS DA ZONA LESTE. AO FINAL DA VIA-SACRA, DISSERAM SE SENTIR HUMILHADAS

Xingamentos, piadinhas, desprezo e horas de espera, sob sol, em pé. Foi assim a manhã de três idosas que, a convite do Agora, tentaram embarcar em lotações e microônibus, ontem, na periferia da cidade de São Paulo.
No total, foram 30 tentativas ao longo de quatro horas, com apenas sete embarques bem-sucedidos. Nos outros 23 casos, as idosas seguiram esperando no ponto -foram verbalmente recusadas por 17 perueiros e ignoradas por seis, que passaram direto, aparentemente dirigindo veículos que já estavam lotados.
As tentativas foram feitas em três regiões da zona leste: Cidade Líder, São Miguel Paulista e Cohab Padre Manuel da Nóbrega. Empunhando suas carteiras de identificação, elas oscilaram do entusiasmo inicial com a experiência ao choro, após as seguidas recusas.
Empolgação

A via-sacra começou pouco depois das 7h30. "Vamos provar como estamos sofrendo nas mãos desses perueiros", dizia Luiza Alves de Oliveira, 88 anos, que caiu, na semana passada, após uma lotação recusar seu embarque. "Ela fechou a porta na minha cara. Aí, perdi o equilíbrio, caí e bati a cabeça", contou ela, antes de iniciar as tentativas de ontem.
Na Cidade Líder, o trio tentou embarcar oito vezes. Conseguiu em duas. "Só pode uma carteirinha por viagem", respondiam os perueiros, fechando a porta das lotações. A desculpa era tão recorrente que parecia combinada.
Já eram 9h, e as idosas foram para as proximidades da Cohab Padre Manuel da Nóbrega. Lá, nem cobradores de peruas vazias as deixavam entrar. Argumentavam que não havia espaço para elas.
"Já tem idoso aqui", elas escutavam, na porta de veículos vazios ou com apenas uma pessoas que aparentava mais idade. No local, foram sete tentativas e dois embarques.
No terceiro e último bairro, São Miguel Paulista, foram 15 tentativas e três viagens -distribuídas por dois pontos. Em um ponto da avenida Marechal Tito, elas foram expulsas de duas lotações, nas quais haviam chegado a subir.
"Mas por quê? A perua está vazia?", perguntou a aposentada Maria de Lourdes dos Santos Félix, 76 anos. A resposta se limitou ao som da arrancada do veículo, que seguiu viagem sem a idosa.
Foi assim. As recusas vinham de carros cheios e vazios, com ou sem idosos.
A via-sacra terminou às 11h30. O silêncio e o choro marcaram o retorno ao local onde elas passam o dia -a casa União Fraternal dos Idosos, em Cidade Líder. "Tenho problemas nas costas e sinto dor ao me curvar para entrar na perua. Mas essa dor não é nada perto de desrespeito deles", disse, chorando, a dona-de-casa Maria Bispo dos Santos, 66 anos.
 (Carina Flosi)



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