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Raul Cortez morre de câncer em São Paulo aos 74
O ator Raul Cortez morreu
ontem às 20h15. Estava internado desde o dia 30 de junho
no hospital Sírio-Libanês, em
São Paulo. O corpo será velado
hoje no teatro Municipal, a
partir das 7h. Cortez morreu
em decorrência de um câncer
na região do estômago. Ele estava com 74 anos.
Foi já entrado nos quarenta,
ao longo da década de 1970,
que o ator iniciou sua extensa
coleção dos prêmios mais importantes do teatro brasileiro.
Mas foram novelas de televisão que lhe deram grande popularidade nacional.
Sua figura, sobretudo quando poderosamente animada
pelos movimentos e pela voz,
gerava magnetismo -que
atraiu por cerca de um ano a
bela atriz Célia Helena, que
lhe deu a primeira filha, na década de 1960. Raul e essa filha,
a atriz Lígia Cortez, contracenariam, em papéis de pai e filha, nas peças "Cheque ou Mate" e "Rei Lear". Na ligação de
oito anos com outra beldade, a
modelo-socialite-atriz Tânia
Caldas, nasceu-lhe a segunda
filha, Maria.
O traço paradoxal da personalidade de todo ator é a convivência do ego cioso de si com
a insatisfação de ser o que é.
Decorre daí, decerto, inevitável propensão e faculdade de
encarnar tantas pessoas diferentes. Talvez o talento de
imitar, e ao mesmo tempo
conservar-se distinto, tenha
sido facilitado família. Raul
Christiano Machado Pinheiro
de Amorim Cortez cresceu
com três irmãos e duas irmãs
numa família estável de classe
média. Passou a infância num
casarão de Santo Amaro, hoje
bairro de periferia, mas que na
década de 1930 era um dos subúrbios semi-rurais de São
Paulo.
No quintal arborizado podiam brincar crianças da casa
e da vizinhança. Alimentavam
mutuamente fantasias, personificavam heróis e aventureiros, papéis em dramas, um sabor de teatro que para a maioria se degrada em lembranças,
mas que em alguns, como
Raul, persistiria com a tenacidade de uma paixão em recesso. O pai, advogado, via as qualidades de ator do filho, mas as
interpretava com outros olhos
e aspirações. Pois que juízes e
jurados não se renderiam
àquele porte altivo, à dicção
nítida, à fluência da fala, ao
timbre da voz? Sem dizer que
ainda por cima o rapaz era
fluente e expressivo também
na redação.
Mas a visão paterna se dissiparia quando, já estudante de
direito, Raul aos poucos foi
voltando, em peças de teatro
amador, ao lazer fantasioso do
quintal de Santo Amaro. Consumada a opção, o pai nunca o
perdoaria: nunca assistiu a
uma interpretação de Raul.
Necessidades prosaicas de
sustento retardaram por alguns anos a prevalência da vocação verdadeira. Raul foi resignado funcionário público,
geriu medíocre agência de publicidade, fez pontas em comerciais infames, até que
amizades do meio teatral lhe
conseguissem A Grande Oportuni"Eurídice", protagonizada
no Teatro Brasileiro de Comédia por Cleyde Yáconis e Walmor Chagas. Papel de figurante, é verdade, mas que o fazia vibrar de antecipação: caberia a
ele ler a carta de Eurídice
(Cleyde) a Orfeu (Walmor). Finalmente sobrevinha o reconhecimento do poder mágico
de sua voz. A qual, porém, no
momento culminante, nada de
sair. Para disfarçada exasperação do pobre Orfeu, uma pequena tragédia dentro da grande: a emoção travou a língua do
mensageiro.
Os papéis
Quando afinal se fez ouvir, a
voz redimiu esse fiasco inaugural e ganhou outras oportunidades para Raul. Não oportunidades de dominação imediata
do meio, mas de ascensão gradual, que abrangeria papéis
coadjuvantes do repertório da
Companhia Cacilda Becker e
participação no aplaudido
quarteto declamador "Os Jograis de São Paulo".
Aprenderia tudo no próprio
ofício, não em cursos formais
de arte dramática. Provou extraordinária versatilidade em
cerca de cinqüenta peças e vinte filmes, mais outras tantas
novelas, tanto em papéis que
lhe exigiram vestir-se de mulher ("As Boas") quanto a expor-se nu ("Os Monstros", "O
Balcão"), tanto em monólogos
("Ah América", "Um Certo
Olhar - Pessoa e Lorca") quanto em trabalhos com a maioria
dos diretores e atores de primeira grandeza. Entre as exceções, Paulo Autran: cada vez
que se viram num teatro, pelo
menos um dos dois estava na
platéia.
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