Aprovado sem debate, projeto de lei do Pará facilita grilagem, dizem entidades

Apesar de pedido do Ministério Público, Helder Barbalho promete sancionar legislação em breve

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Manaus

Aprovado a toque de caixa pela Assembleia Legislativa do Pará, o projeto de lei do governo Helder Barbalho (MDB) que altera o processo de regularização agrária em terras públicas estaduais abre a porta para a legalização de áreas griladas, segundo especialistas e movimentos sociais, que pedem a sua anulação.

“Em um estado com os problemas fundiários do Pará como violência e grilagem, conhecidos mundialmente, um projeto de lei como este deveria ser amplamente debatido. Infelizmente nem o Poder Executivo nem o Legislativo fizeram isso”, afirma o professor da UFPA (Universidade Federal do Pará)  Girolamo Treccani, especialista em direito agrário e ambiental.  

Floresta Estadual do Paru, no Pará, na região da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca)
Floresta Estadual do Paru, no Pará, na região da Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca) - Lalo de Almeida Folhapress

Entre os pontos mais criticados do projeto, aprovado no último dia 11 e que agora só precisa da assinatura de Barbalho para entrar em vigor, está a mudança pela qual consideram legítimos ocupantes de áreas rurais pessoas físicas ou jurídicas “que pretendam exercer atividades agrárias em terras do estado”. 

“O que a lei atual prevê, no caso de pessoa física, é que tem de ter morada permanente, exercer atividade agrária e não ter outros imóveis”, afirma a pesquisadora Brenda Brito, da ONG Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). “Todos esses requisitos foram eliminados. No lugar deles, bastará, no caso de venda, que a pessoa esteja ocupando área pública e pretenda exercer atividade agrária posteriormente.”

Outra modificação que enfrenta resistência é a inclusão de serviços ambientais como atividade agrária, o que abriria caminho para a venda de florestas para exploração madeireira —hoje, o modelo é permitido é de concessão.  

Em carta assinada por 62 entidades, a avaliação é de que o projeto de lei “permite a privatização de florestas públicas”, entre outras críticas. O documento, assinado pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), pelo Greenpeace e pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), entre outras organizações, pede o veto integral do PL 129/2019, para que seja substituído por uma nova proposta com a participação de representantes da sociedade civil. 

Para o Treccani, apesar de pontos positivos, como o reconhecimento de projetos de assentamento e quilombos, o PL inclui também “graves retrocessos, como a tentativa de ‘ressuscitar’ os títulos de posse e provisórios”. 

“No caso dos títulos de posse, criados pelo decreto 410/1891, nem sequer se sabe quantos são, nas mãos de quem estão e onde ficam —e foram extintos em 1996 (decreto 1054). O PL visa revigorar documentos antigos que há mais de 20 anos deixaram de produzir efeitos”, afirma o professor da UFPA. 

Enviado pelo governo estadual à Assembleia em 5 de maio e votado em dois turnos 33 dias depois, o projeto de lei legisla sobre um território de 21,4 milhões de hectares de terras públicas estaduais sem definição fundiária. Trata-se de uma área pouco maior do que o estado do Paraná, segundo nota técnica do Imazon assinada por Brito.

Na segunda feira (17), os promotores agrários do Ministério Público Estadual enviaram um ofício a Barbalho pedindo que o PL seja debatido: “A consulta pública mais ampla vai possibilitar o aperfeiçoamento do projeto, a inclusão de temas relevantes para aumentar a eficiência e transparência da atuação do Instituto de Terras do Pará e evitar a apropriação indevida de terras públicas estaduais”.

A Folha procurou na manhã de quinta-feira (20) um dos autores do PL, o presidente do Iterpa (Instituto de Terras do Pará), Bruno Kono, mas ele disse que não estava disponível. Um assessor de imprensa do governo do Pará procurou a reportagem à tarde e solicitou o envio de perguntas por escrito, mas tampouco houve resposta.

Em nota à imprensa distribuída na noite de quarta-feira (19), Barbalho disse que sancionará a lei em breve.

Em um trecho do texto, Kono diz que: “A lei cria as condições legais necessárias para que o agricultor familiar e o produtor rural tenham, de fato, e dentro da realidade de quem vive no e do campo, acesso à terra, e nela possam desenvolver suas atividades com segurança jurídica, acesso a crédito e à assistência técnica, e dessa forma tenham a oportunidade de melhoria da qualidade de vida e da sua família”. 

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