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COP26 mudança climática

Desmate recorde da Amazônia invalida maquiagem do governo e já pauta presidenciáveis

Número mais alto dos últimos 15 anos antecipa derrota do governo Bolsonaro na área ambiental

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São Paulo

Enquanto o governo Bolsonaro tenta um recuo retórico em seus discursos internacionais, presidenciáveis como Lula, Eduardo Leite e João Doria aproveitam as agendas no exterior para marcar posição sobre a pauta que deve condicionar o apoio internacional à recuperação econômica brasileira nos próximos anos: o compromisso com a conservação da Amazônia.

O recado tem sido dado ao governo de Jair Bolsonaro de forma bastante contundente pela União Europeia e, mais recentemente, também pelos Estados Unidos e pela China.

Os três maiores parceiros comerciais do Brasil estão decididos a compatibilizar a cooperação econômica e também as importações às suas metas de redução de emissões de gases-estufa.

Região da floresta amazônica, em Apui, no sul do Amazonas, sofre desmatamento - Lalo de Almeida - 20.ago.2020/Folhapress

Fóruns econômicos como Davos e as reuniões do G20 também reforçam a mensagem: os critérios ambientais devem compor a equação do desenvolvimento econômico para que o mundo possa enfrentar a crise climática. Afinal, boa parte das emissões que levam ao aquecimento global está concentrada no setor energético global –um motor literal da economia.

Mas o governo brasileiro demorou para entender como a agenda climática tem pautado a lógica econômica. "Eu sentei com a secretária do Tesouro americano e ela começou perguntando sobre meio ambiente", contou com tom de surpresa o ministro Paulo Guedes (Economia), em participação por vídeo na COP26, a conferência de clima da ONU, concluída no último sábado (13).

"Este é o Brasil real", repetiu à exaustão o ministro Joaquim Leite (Meio Ambiente) em discursos que enalteciam vantagens ambientais do país –"gigante pela própria natureza"– na COP26.

Ele evitou responder aos questionamentos da Folha sobre os dados de desmatamento. "Não estou acompanhando", insistiu até um dia após o fim da COP.

Mas o governo já havia recebido, em 27 de outubro, o relatório do Prodes que só seria publicado na última quinta-feira (18), revelando que a Amazônia perdeu mais de 13 mil km2 de florestas entre agosto de 2020 a julho deste ano. Um recorde dos últimos 15 anos.

Entre 2012 e 2015, quando o desmatamento na Amazônia atingia o mínimo histórico, próximo de 5.000 km2, o Brasil passou a divulgar os dados logo antes das conferências climáticas da ONU.

Já quando os dados são negativos para a conservação do bioma, o resultado da estimativa anual demanda preparo político para responder às cobranças e encaminhar políticas que renovem as estratégias de combate ao desmatamento, o que justifica o envio do relatório do Inpe ao governo e sua decisão sobre o melhor momento político para a divulgação.

Desta vez, no entanto, o adiamento do anúncio não veio acompanhado de qualquer preparo político que oferecesse explicação, revisão de estratégia ou renovação de um compromisso.

Ao finalmente publicar o relatório, sem ação de divulgação, o governo manteve o registro da data de envio do documento pelo Inpe, permitindo –não se sabe se por descuido ou por desprezo– a confirmação de que os dados já estavam prontos e foram omitidos do mundo no momento em que o país seria cobrado por sua política ambiental.

"Existe uma pressão do avanço, não vou dizer da civilização, um avanço das pessoas que moram no Centro-Sul do Brasil para áreas de terras não ocupadas na Amazônia", declarou nesta sexta-feira (19) o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, recorrendo à desinformação sobre a ocupação de terras na Amazônia, como o governo experimentou em seu primeiro ano de governo, quando chegou a culpar ambientalistas e até Leonardo DiCaprio pelas queimadas na Amazônia.

O discurso errático, no entanto, só agravou as relações internacionais do governo.

Segundo estudos do Imazon, a ocupação de novas fronteiras da Amazônia vai do "boom" ao colapso em uma década e termina deixando os municípios mais pobres do que no período anterior.

A despeito das evidências científicas sobre a exploração predatória do bioma, o ministro Leite insistiu em culpar a conservação. "Onde existe muita floresta também existe muita pobreza", disse na plenária da COP26.

Enquanto o "Brasil real" retrocede para índices de desmatamento comparáveis a 2006, os presidenciáveis disputam a narrativa do desenvolvimento sustentável.

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul pelo PSDB, levou à COP26 um discurso contrário à exploração do carvão, em uma mudança de posicionamento relevante para seu estado, que tem mais de 90% das reservas do mineral no país.

Junto ao grupo Governadores pelo Clima, Leite participou de reuniões bilaterais com a União Europeia, China, Estados Unidos, França e até com o príncipe Charles durante a conferência em Glasgow, na Escócia.

O também tucano e governador de São Paulo, João Doria, levou à COP26 o anúncio de um projeto de R$ 100 milhões para a Amazônia. Apesar de o bioma estar longe do território que ele governa atualmente, a promessa é que a Fapesp viabilize o recurso para pesquisas sobre a floresta amazônica.

O governador também deve usar a região do Vale do Ribeira, no sudeste do estado, como exemplo de conservação aliada a desenvolvimento, com o projeto batizado de Vale do Futuro.

Também em viagem pela Europa, o ex-presidente Lula tratou sobre mudanças climáticas e a Amazônia em encontro com o futuro chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, no último sábado (13), mencionando como um bom exemplo de cooperação internacional o Fundo Amazônia, que funcionou durante a gestão petista com doações da Noruega e da Alemanha para a conservação florestal.

Atualmente cerca de R$ 3 bilhões já doados ao fundo estão paralisados na gestão Bolsonaro, que extinguiu o conselho responsável pela gestão do recurso.

O anúncio do recorde de desmatamento neste ano invalida as juras de compromisso ambiental feitas pelo governo Bolsonaro ao público internacional.

Em abril, o presidente Bolsonaro discursou na Cúpula do Clima convocada pelos Estados Unidos e prometeu dobrar os recursos para fiscalização ambiental. No entanto, a maior parte da verba destinada aos órgãos ambientais ainda não foi executada.

Os dados mostram que as promessas antiambientais feitas pelo presidente ainda em campanha eleitoral continuam em vigor e devem ser cumpridas. Após investimento em uma maquiagem verde na COP26, o governo Bolsonaro perdeu, logo que voltou para a casa, a chance de mostrar qualquer revisão na sua política.

Quando o dado da próxima estimativa do Prodes sair, no final do ano que vem, já teremos um resultado para as eleições presidenciais. E os candidatos à vaga estão escutando o recado internacional, repetido em reuniões na COP26 e confirmado agora pela taxa anual de desmatamento: o mundo aguarda o ano de 2023 para voltar a contar com o Brasil.

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