Descrição de chapéu COP26 mudança climática

SP fracassa em meta para reduzir emissões, mas governo quer zerá-las até 2050

Estado, em compromisso assumido em 2009, deveria baixar 20% dos gases-estufa até 2020 e passou longe do alvo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O estado de São Paulo não cumpriu sua meta climática dos últimos anos, a de diminuir em 20% seus gases-estufa até 2020, com base nos números de 2005. Mesmo assim, o atual governo paulista garante que será possível cumprir sua nova promessa, de zerar essas emissões até 2050.

Isso apesar de as emissões terem diminuído apenas cerca de 0,7% em 15 anos, de acordo com os dados recém-lançados pelo Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa).

Em 2005, São Paulo emitiu cerca de 142,8 milhões de toneladas de CO2e (leia CO2 equivalente, uma medida que, de forma geral, soma todos os gases-estufa). Desde então, as emissões subiram consideravelmente e chegaram a atingir, em 2013, 170 milhões de toneladas de CO2e.

Em 2020, após um período de queda e com um empurrão considerável da pandemia, o estado chegou a cerca de 141,7 milhões de toneladas de CO2e jogados no ar —pela meta original, esse valor deveria estar por volta de 114 milhões de toneladas de CO2e no ano passado.

Se esse ritmo fosse mantido (o que seria difícil de imaginar, considerando a evolução tecnológica, e a preocupação e investimento mundiais no tema), seriam necessários milênios para esse valor chegar a zero.

Considerando o mesmo espaço de tempo e todo o Brasil, houve uma redução de 19% nas emissões. Mas a situação é bem distinta do contexto paulista.

No país, a principal fonte de emissões é o desmatamento, que, apesar de estar atualmente em níveis altos, ainda está distante dos mais de 19 mil km² derrubados em 2005. Em 2020, a área desmatada foi 10,9 mil km².

O controle da emissões resultantes da derrubada de florestas é mais fácil que o de áreas urbanas, pois não depende de transformações tecnológicas, mas principalmente de ações de fiscalização e políticas públicas de combate ao desmatamento.

Carros parados paralelamente, em cabines de pedágio
O setor de energia, particularmente a área de transportes, é o principal responsável pelas emissões de São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

A questão climática paulista ganhou recentemente mais terreno, com a participação de João Doria (PSDB) na COP26, a conferência das Nações Unidas para mudanças climáticas, o principal fórum de negociações sobre o assunto no palco internacional.

Ao lado de outros governadores brasileiros, o tucano foi a Glasgow, no Reino Unido, para tentar se afastar da imagem nacional arranhada pela condução da política ambiental sob Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente brasileiro não foi ao encontro.

"É um mundo unido, na defesa do meio ambiente. E o Brasil, através de São Paulo e outros nove governos estaduais, participa, também, defendendo o meio ambiente", disse o governador paulista na conferência.

Doria também anunciou que a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) vai investir R$ 100 milhões em pesquisas sobre preservação da Amazônia, em parceria com os estados da região.

Ele não comentou, porém, o fato de o estado não ter atingido a meta de redução de emissões. O compromisso foi instituído na lei 13.798, de 2009, assinada pelo então governador e hoje senador José Serra (PSDB) e por seu secretário do Meio Ambiente, Xico Graziano.

Segundo Eduardo Trani, atual subsecretário de Meio Ambiente do estado, a meta de redução de gases da política estadual tinha um sentido mais aspiracional do que prático. "Obviamente não vamos cumprir os 20%. Mas em alguns setores nós evoluímos", afirma.

Ele cita como pontos de sucesso a demarcação de unidades de conservação e o controle da destruição da mata atlântica no estado, que alcançou, nos últimos anos, desmatamento zero —abaixo de cem hectares.

A exceção foi 2020, de acordo com o último relatório da ONG SOS Mata Atlântica, que apontou um aumento de 400% no desmate, ou mais de 200 hectares. Segundo Trani, a maior parte disso foi legal, ou seja, com autorização e seguindo o regramento do órgão ambiental paulista.

"Cumprimos, nesses dez anos, algo que outros estados não conseguiram", afirma o subsecretário, referindo-se ao controle do desmate.

Trani também aponta o crescimento de 5% na vegetação nativa nos últimos dez anos, segundo dados do Inventário Florestal, o que levou o estado a um total de cobertura vegetal de 22,9%.

A lei paulista foi feita em 2009, em um momento no qual o Brasil era tido como um dos líderes mundiais em política climática, na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O país foi, por exemplo, a primeira nação em desenvolvimento a apresentar metas voluntárias de redução de emissões.

No mesmo ano, porém, o assunto acabou sofrendo um baque na arena internacional quando a COP15, que começou com grandes expectativas, terminou sem um pacto para combater a crise climática. O acerto acabaria acontecendo só seis anos depois, com o Acordo de Paris —que, em linhas gerais, tem como principal objetivo manter o aquecimento do planeta abaixo de 1,5 °C.

Na esteira, a cidade de São Paulo também fez compromissos climáticos naquele período. E também os descumpriu. A meta era de reduzir em 30%, até 2012, as emissões municipais, com base nas emissões de 2003.

Segundo Natalie Unterstell, coordenadora do projeto Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, aquele era um momento em que todas as esferas do poder público queriam demonstrar a intenção de descarbonizar a economia, mas com horizontes muito distantes.

"Foi com o Acordo de Paris, em 2015, que demos uma virada. Reconhecemos que todos têm que contribuir e que tais esforços precisam ser para valer. Isto é, ser implementados", afirma a especialista. "Eram metas voluntárias, não estavam vinculadas a nenhum mecanismo de sanção. Mas, no caso de estados que assumiram como lei estadual, eles poderiam ser questionados judicialmente."

Josilene Ferrer, assessora da presidência da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e professora da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado), afirma que a lei paulista propôs uma meta que não era ancorada em estudos suficientes.

Ela aponta que um desafio do país é a ampla base energética renovável, baseada principalmente em hidrelétricas. Isso muda o processo de redução de emissões na comparação com outros países que dependem de carvão.

"Não basta escrever no papel e tornar lei para se tornar uma realidade", afirma Patrícia Iglecias, diretora-presidente da Cetesb. "O importante é colocarmos a realidade dos fatos hoje e partirmos para aquilo que efetivamente pode ser cumprido. A pior coisa é a lei que não pegou. Às vezes não pega por não ter viabilidade de realização."

A nova meta climática paulista, já posta no decreto 65.881, de 2021, por Doria, é a neutralidade de emissões até 2050, ou seja, fazer com que os gases-estufa emitidos sejam, pelo menos, compensados por absorções de gases, feitas por florestas, por exemplo. O objetivo é igual ao do Brasil como um todo, conforme anunciado na última semana na COP26.

O decreto, em linhas gerais, somente dispõe sobre a adesão de São Paulo à campanha Race to Zero, da ONU. Os detalhamentos de planos de ações e de metas intermediárias, porém, ainda não foram publicados.

As emissões paulistas são provenientes principalmente do setor de energia, o que engloba a queima de combustível. Estão dentro disso, portanto, a indústria, a geração de eletricidade e os transportes —atividade com maior peso nos números de São Paulo.

"O setor de transportes a diesel é o maior ‘vilão’ do nosso setor de energia", afirma Trani. O combustível, o mais utilizado no país, é destinado principalmente para o transporte de cargas.

"Esse setor está na esteira de mudanças que vamos ter que trabalhar fortemente, como na substituição dos insumos energéticos", diz o subsecretário, referindo-se ao biodiesel, combustível que, por ser feito a partir de plantas, e não de petróleo, é considerado neutro em emissões.

Segundo Trani, além de apresentar opções energéticas e de transportes de carga alternativos, como ferrovias e hidrovias, o governo estadual também deve aumentar o foco na inspeção veicular. "No Brasil, a frota de veículos é antiga. Os caminhões antigos têm que ser substituídos por novos", afirma o subsecretário. "É um tema que vamos ter que enfrentar por várias vias."

Além do transporte de carga, o de passageiros também tem grande participação nas emissões de gases-estufa no estado. Na capital, por exemplo, os veículos a gasolina são um dos principais vilões, afirma Felipe Barcellos, pesquisador do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente).

Para 2021, com parte da movimentação das pessoas voltando a níveis anteriores à pandemia, as emissões relacionadas a essa fatia do setor de energia devem voltar a crescer. Em grande parte, cabe aos municípios tomar ações sobre o tema, mas o apoio estadual é importante, diz Barcellos.

Ele elogia a proposta da capital de reduzir as emissões dos transportes. Uma das metas é conseguir chegar até 2028 com 50% dos ônibus municipais com zero emissões —o objetivo é alcançar 100% em 2038.

Apesar das metas ambiciosas, objetivos menores e mais próximos já começaram a ser descumpridos na cidade. Para 2021, estavam previstos 2.620 ônibus elétricos rodando em São Paulo, segundo o Iema. Mas a realidade atual é de uma frota de somente 219 veículos.

"Esse atraso vai tornando a bola de neve maior", diz Barcellos. "Você trocar os ônibus aos poucos é mais fácil do que trocar tudo de uma vez."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.