'Ozark' espanta sombra de 'Breaking Bad' em temporada mais intrigante

Série trata de ética, laços familiares, crime e ambição sem resvalar no moralismo fácil

Julia Garner (Ruth) e Jason Bateman (Marty) em cena da nova temporada de ‘Ozark’ - Jessica Miglio/Netflix

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Luciana Coelho
São Paulo

A nova temporada de "Ozark", na Netflix a partir desta sexta (31), é um exemplo estimulante de produções que tomam rumo na segunda temporada, algo incomum em um meio que cada vez mais se atém a fórmulas para garantir atenção sob a avalanche de ofertas.

Nos primeiros dez episódios, as desventuras da família Byrde para lavar dinheiro no miolo ignorado dos EUA enquanto foge/se embrenha com criminosos pareciam um decalque bem executado de séries de sucesso, notadamente de "Breaking Bad" (2008-13).

A comparação ecoou forte a ponto de o protagonista, Jason Bateman, ser levado a renegá-la, sob a promessa de que, apesar de ambas terem como anti-heróis pais de família de classe média enveredando pelo crime, suas tramas correriam por trilhos distintos.

Esta nova temporada deixa isso claro. A fotografia lúgubre das paisagens desconsoladas do Missouri continua lá, bem como o afundamento moral de Marty Byrde, personagem de Bateman, que ela evoca.

Diálogos e enredo, contudo, adentram um exercício dialético entre determinismo (a ideia de que o indivíduo é formado ou condicionado pelo meio) e a noção existencialista de que somos produtos de nossas escolhas, inteiramente responsáveis por elas.

Parece pesado, modorrento? Não é, e essa é a façanha da nova temporada de "Ozark".

A série criada por Bill Dubuque e Mark Williams não pretende passar ao espectador um sermão filosófico. Ela quer entretê-lo, e dar contornos densos aos dilemas de seus personagens prosaicos a torna instigante sem cansar.

Para um suspense que trata ao mesmo tempo de ética, laços familiares, crime e ambição sem resvalar no moralismo fácil, isso é um trunfo.

O único problema é que Marty, ao contrário do Walter White de "Breaking Bad", se mostra aos poucos um psicopata, movido apenas pelo instinto de sobrevivência e pelo autobenefício, incapaz de se comover com dores alheias.

Fica difícil torcer por ele, ainda que a gincana que se torna sua rotina para escapar de ser punido por gangues diversas com as quais tem negócios quase nos obrigue a isso.

Seus contrapontos são a mulher, Wendy (Laura Linney), e caipira genial Ruth (Julia Garner), sua pupila, que decaem sem se desumanizarem.

É Marty o existencialista (ele diz, minutos após ver um assassinato, que não tem responsabilidade pelas escolhas de terceiros). Wendy e Ruth são deterministas, tentam se desenredar do meio em que estão mas se acreditam, ao menos a princípio, incapazes.

Outros dilemas entrarão na conta, sobretudo os que envolvem lealdade familiar, mas a série faz desse tripé seu pilar.

Ter atrizes estupendas nesses papéis, diante de um ator competente na tarefa de emular o sujeito comum, nos deixa afoitos para saber se os planos dos Byrde & cia. funcionarão.

É curioso que tantas séries no ar se dediquem ao miolo dos EUA, esquecido na última década pela produção cultural, mas lembrado no noticiário como propulsor de Donald Trump. "Ozark" não o retrata com elogios, mas, até aí, a série conta o tipo de história em que não há alma boa.

“Ozark” está disponível na Netflix

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