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Saneamento no Brasil

Nova Lei de Saneamento e uma agenda para os investimentos em infraestrutura

Mudar lógica de como pensar a agenda é fundamental para que possamos avançar no desenvolvimento econômico e social do Brasil

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Paulo Mattos

Presidente da IG4 Capital e presidente do conselho da Iguá Saneamento S.A.

O Brasil possui uma infraestrutura incapaz de atender as necessidades de uma das maiores economias do mundo. Apesar de figurar com o 9º maior PIB do planeta, o país aparece em 72º lugar no total de 138 economias no ranking de qualidade de infraestrutura do World Economic Forum.

Economistas das mais diversas tendências, de liberais a desenvolvimentistas, têm enfatizado que investimentos em infraestrutura incrementam a formação bruta de capital e não apenas geram empregos como ampliam o acesso e a qualidade de serviços de ofertados à população.

Durante os governos FHC, Lula e Dilma foram investidos em média 2% do PIB ao ano em infraestrutura: na década de 1980, 3,5%, e na década de 1970, 5,2%. A média mundial de investimentos em infraestrutura nos últimos vinte anos foi de 3,8% do PIB ao ano.

Os economistas Cláudio Frischtak e Katharina Davies estimam um investimento em infraestrutura de pelo menos 3% do PIB nos próximos 20 anos para que o Brasil possa igualar os índices de acesso e qualidade dos países desenvolvidos. Isto exigiria investimentos permanentes da ordem de R$ 240 bilhões ao ano para recuperar e repor o parque de infraestrutura existente, modernizá-lo e expandi-lo.

Atestada por estudos técnicos, entre outros os de Fernando Puga e Gilberto Borça Junior, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a experiência mostra que nas últimas duas décadas e meia houve maior investimento nos setores de infraestrutura nos quais empresas estatais foram privatizadas, concessões foram feitas à iniciativa privada e foi implementada uma ação regulatória efetiva e alinhada com uma ação planejadora mais ampla.

Também houve mais investimentos onde a concorrência entre os agentes neles presentes foi instituída. Assim, os setores de telecomunicações e de energia destacam-se positivamente, ao passo que os de saneamento e de transporte e logística apresentam índices inferiores de desenvolvimento.

O caso do setor de saneamento no Brasil é exemplar nesse sentido. Apesar de aproximadamente 92% da infraestrutura existente continuar sendo estatal, temos um dos piores índices de acesso e qualidade ao saneamento básico do mundo. Mas mais do que isso, a infraestrutura existente é pouco eficiente e muito antiga. A necessidade de investimentos deveria unir a iniciativa privada e o setor público, além das empresas de tecnologia capazes de inovar na implantação e operação da infraestrutura também desse setor.

A nova Lei de Saneamento aprovada definitivamente pelo Congresso Nacional no final de junho estabelece metas e cria uma oportunidade única de parceria entre investidores privados e públicos para que o Brasil chegue até 2033 a padrões minimamente civilizados, próximos da média dos países integrantes da OCDE, de acesso a saneamento pela população. Para tanto, serão necessários investimentos da ordem de cerca de R$ 500 bilhões, conforme estimativas do Governo Federal.

Diante da comprovada incapacidade financeira e administrativa de o Estado dar conta, simultaneamente, de todos os investimentos necessários, a atração de investimentos privados é a única forma de ampliar a oferta e qualidade dos serviços de infraestrutura. Contudo, isto depende da superação de barreiras corporativas e político-ideológicas, sendo as seguintes medidas as mais significativas e prementes:

  • Planejamento por parte do Estado: definição de prioridades e centralização de processos decisórios de forma mais eficiente, permitindo a atração de maior interesse do mercado para os ativos e projetos ofertados. Sem o planejamento estatal adequado, o mercado não tem parâmetros para decidir sobre a alocação de capital capaz de gerar desenvolvimento econômico e social de forma democrática e transparente;
  • Regulação técnica e independente: elemento central para a garantia de previsibilidade e estabilidade dos contratos na execução de investimentos e para a defesa do usuário, do consumidor e do cidadão;
  • Privatizações: conceito de difícil assimilação no debate público no Brasil, uma vez que sempre vem tratado de modo negativo, como se fosse necessariamente ruim, sem que se discuta de forma pragmática em que medida pode contribuir para o aumento dos investimentos;
  • Concorrência: deve ser garantida em obras e licitações públicas, bem como na efetiva prestação dos serviços e fornecimento de insumos, reduzido custos e preços na economia. A defesa da concorrência depende ainda do combate permanente à cartelização nos mercados;
  • Ampliação dos instrumentos de financiamento: por meio do mercado de capitais, especialmente com a atração de recursos privados nacionais e internacionais para o crédito de médio e longo prazos; e
  • Maior planejamento e transparência nos projetos de engenharia: diminuindo riscos de execução e o desenvolvimento do mercado de seguros para infraestrutura.

Apesar de a receita parecer ser simples, a implementação desta agenda depende de que todos os envolvidos assumam responsabilidades e riscos e pressupõe superar as barreiras que impediram que o Brasil pudesse atrair a enorme liquidez de capitais existente no mundo para os investimentos em infraestrutura.

Este cenário, no entanto, pode mudar relativamente rápido caso o Estado e suas instituições políticas, os investidores privados e setores da sociedade civil organizada estabeleçam um novo pacto social. Tal pacto deveria ter como foco uma análise de custos e benefícios gerados aos usuários finais de serviços de infraestrutura (os cidadãos e demais consumidores nas cadeias produtivas).

A partir desta análise, a origem do capital ou do prestador do serviço (público ou privado) não deveria ser a prioridade nas escolhas públicas e sociais, mas sim a ampliação do acesso eficiente e sustentável à infraestrutura de qualidade, com o menor custo e no menor tempo possível, para resolver os enormes gargalos existentes.

Por fim, o Brasil deve estar atento ao fato de que tem uma oportunidade impar de desenvolver a sua infraestrutura de forma aderente aos padrões do que podemos chamar de Terceira Revolução Industrial. Tal revolução significa pensar a infraestrutura do país de forma integrada com redes inteligentes de fibra óptica, energia renovável e transportes e logística. Isso será determinante na redefinição dos padrões de consumo e organização dos mercados nas próximas duas décadas.

O novo livro, lançado no mês de setembro passado, do economista norte-americano, Jeremy Rifkin, “The Green New Deal”, é desafiador em mostrar que o parque de infraestrutura existente no Planeta terá que ser repensado e modernizado em muito pouco tempo para que seja possível a redução do impacto sócio-ambiental que atualmente poderá comprometer a vida das próximas gerações. Considerando a relevância da economia brasileira no cenário global, poderíamos liderar essa transformação dado que temos como implantar muita infraestrutura nova já compatível com os novos paradigmas da Terceira Revolução Industrial.

Os cidadãos, de um modo geral, e os usuários afetados não estão, no dia a dia de suas vidas, preocupados se o capital é público ou privado ou se a empresa prestadora do serviço é estatal ou privada, mas sim se a infraestrutura existe ou não e se o serviço é bom ou ruim, dentro de determinados padrões de custos e benefícios gerados. E cada vez mais, esperamos, os seres humanos estarão mais preocupados com a sustentabilidade da infraestrutura e seus impactos sócio-ambientais.

Mudar a lógica de como pensar a agenda de investimentos em infraestrutura é fundamental para que possamos avançar no desenvolvimento econômico e social do Brasil. Investimentos em infraestrutura deveriam ser parte de políticas de Estado permanentes, independente dos governos e seus ciclos eleitorais, com planejamento de longo prazo e ampla participação dos investidores privados e da sociedade civil organizada.

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