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02/12/2010 - 09h51

Nem vem qui num tem

LUCAS MENDES
COLUNISTA DA BBC BRASIL, EM NOVA YORK

Amigos.

Nem vem qui num tem. Segurem as pontas.

Quase todos os dias recebo um e-mail de um patrício vindo ou planejando um encontro com a Estátua da Liberdade.

A menos que você tenha dinheiro ou emprego, fique aí e cave o sonho brasileiro porque a barra está pesada e a turma que vai se instalar em Washington não gosta de pobre nem de imigrante.

Você pode achar que não sou bom conselheiro --costumo errar-- , mas ouça minha colega Mila Burns.

A Mila é antropóloga e jornalista. Foi repórter da Globo por oito anos no Rio e chegou aqui há dois para fazer um programa chamado Planeta Brasil, na Globo Internacional.

Com o repórter fotográfico Francisco Pires, a gata Dindi e o cão Pinduca, ela entrou num motorhome e pôs o pé na estrada em busca dos brasileiros nos Estados Unidos. Uma pesquisa inédita no jornalismo e na antropologia urbana. Em nove meses, percorreram 28 estados, 45 mil quilômetros entre o céu e o asfalto. Foram roubados uma vez em San Francisco, se embananaram com o trânsito de Dallas, foram hostilizados na Geórgia e passaram aperto numa nevasca entre Novo México e Arizona.

Mila planeja transformar o raio-X dela sobre nossos imigrantes numa tese de doutorado em antropologia na Universidade Columbia e passo aqui um resumo: "O que vi foi um povo trabalhando muito, muito mesmo, em subempregos ganhando um pouco mais do que ganharia no Brasil. Muita gente voltaria para casa num piscar de olhos, mas não tem dinheiro para a volta, nem coragem de declarar que o sonho americano está mais para pesadelo".

Em San Diego, Mila encontrou João, que saiu do Ceará sem um tostão e ficou milionário com uma fábrica de peças para turbinas de avião. Encontrou brasileiros mais educados e documentados na área de Washington, mas na maior concentração de patrícios, na Nova Inglaterra, 80% são ilegais, um cálculo do consulado.

A perseguição dos agentes da imigração aumentou. Em Marieta, na Geórgia, onde há uma grande concentração de brasileiros, ela encontrou Maycon. Ele estava com medo de ser deportado, como tinha acontecido dias antes com uma colega mexicana.

Precisava de seis meses para terminar a faculdade e Mila disse a ele que ficasse tranquilo: "Seis meses passam rápido". Na semana seguinte recebeu uma chamada do pai de Maycon contando que o filho tinha sido deportado. Muito mais sorte tem o Marcelo, em La Grange, Illinois, que, mesmo ilegal, é funcionário do governo federal americano.

Os números são contraditórios, quase misteriosos. Pelas estimativas de diplomatas, o número de brasileiros nos Estados Unidos caiu de 1,5 milhão para 1,2 milhão, mas uma pesquisa do Ministério das Relações Exteriores mostra que em 2009 o êxodo de brasileiros foi o maior da década. Se o mundo só vai bem para os emergentes e a Europa arrochou com os imigrantes, para onde foram nossos 90 mil (saldo no número de passageiros que entraram e saíram do país)?
Outros números sugerem que eu e Mila estamos errados. O primeiro sorteio de green cards (visto de residência), que começou em 95, teve 6,5 milhões de candidatos, 477 do Brasil.

Naquela época, os Estados Unidos estavam na década da prosperidade de Bill Clinton, com desemprego na faixa de 4%. Em 2006, 74 mil brasileiros se candidataram, mas em 2007 o Brasil entrou na lista dos países excluídos, porque o Departamento de Estado achou que já havia brasileiros demais no país.

Este ano, em plena fossa herdada de Bush, com 9,6% de desemprego, 15 milhões de estrangeiros se candidataram aos 50 mil vistos, o sonho quase triplicou.

Você vai dizer que no Afeganistão e outros tãos, que na Europa Oriental, nos Bálcãs e na África a situação é pior do que aqui. Provável. Mas e na França? Isso mesmo, na França. Como explicar a fuga de acadêmicos para os Estados Unidos? A pesquisa é deles e revela que muitos acadêmicos nas áreas de economia, biologia e música acreditam mais no sonho americano do que no sonho francês. Vêm ou querem vir.

Como eu dizia, nem vem qui num tem. Ou tem?

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