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Da Ilha do Diabo à Guantánamo
LUCAS MENDES
COLUNISTA DA BBC BRASIL, EM NOVA YORK
Louis Begley já era um rico advogado quando, aos 57 anos, publicou uma ficção semi-autobiográfica sobre a sobrevivência de um um garoto de 6 anos na Polônia durante a ocupação nazista. "Wartime Lies", seu primeiro livro, ganhou uma penca de prêmios, aqui e na Europa.
Stanley Kubrick comprou os direitos do livro, gastou US$ 10 milhões em pré-produção, mas suspendeu o projeto quando Steven Spielberg lançou "A Lista de Schindler". "Além do filme de Spielberg", me disse Begley, "ele começou a duvidar do próprio talento para contar uma história sobre o holocausto. Preferiu adiar e foi fazer "Eyes Wide Shut" [que recebeu o título "De Olhos Bem Fechados" no Brasil]. Morreu logo depois."
Begley nunca leu um romance sobre o holocausto --"eu me sinto mal"-- e nem voltou ao assunto nos muitos livros que escreveu depois. "About Schmidt" ("As Confissões de Schmidt" no Brasil) virou filme com Jack Nicholson no papel principal, mas tem pouco a ver com o livro de Begley além do personagem Schmidt, que, aos 65, se aposenta e fica viúvo quase ao mesmo tempo. Begley gostou do filme.
No livro, um dos favoritos de Paulo Francis, Schmidt é um milionário que mora sozinho numa bela casa na afluente região dos Hamptons, a duas horas de Nova York. O único parente dele é a filha Charlotte, 27, com quem tem uma péssima relação.
Ele é um homem culto e complicado que se envolve num romance carinhoso e carnudo com uma garçonete de um restaurante local, uma porto-riquenha sedutora e pilantra.
Um dos mais influentes críticos americanos acha que Begley é um dos melhores senão o melhor escritor de modos e costumes nos Estados Unidos, no nível de Evelyn Waugh, o mestre inglês da virada para o século 20. As descrições de Begley sobre o mundo dos ricos tem detalhes preciosos, das banalidades do dia a dia, as preocupações com impostos e heranças, as conexões deles com os menos afortunados.
O terceiro livro da série, "Schmidt Steps Back", está pronto e vai ser lançado no começo de 2012. Nele, Begley aborda marginalmente alguns temas atuais como a guerra ao terror. Na entrevista, eu quis explorar o conhecimento de Begley sobre o rico americano.
Ele era filho de pai médico e avô rico na Polônia. Seria o herdeiro e perdeu tudo. Passou horrores, saiu mentalmente lanhado, veio para os Estados Unidos, foi melhor aluno em Harvard, viveu entre os ricos na França e aqui, lidou com clientes milionários de todo mundo, inclusive brasileiros. A mulher, Anka, também escritora, descende dos Rothschild. Louis Begley conhece o mundo dos ricos.
Em 1980, 10% dos americanos mais afluentes embolsavam um terço da riqueza do país. Agora embolsam a metade. Os megarricos, um décimo de 1%, ou seja, um milésimo do país, quadruplicaram suas fortunas, mas querem mais redução de impostos, redução dos benefícios dos pobres, dos gastos com saúde e educação. Num país cada vez mais doente e atrasado. Que são estes ricos? Sempre foram assim?
"Os ricos americanos --ao contrário dos europeus, que, em geral, vêm de dinheiro velho-- vêm em muitos sabores. A maioria é republicana. O partido já foi um modelo de moderação fiscal e de eficiência administrativa. Há republicanos moderados com preocupações sociais, mas este novo grupo conservador vai provocar um racha. Acho que teremos um terceiro partido. É parte do trauma americano."
Louis Begley está em destaque no Brasil pelo seu recém-lançado "O Caso Dreyfus: Ilha do Diabo, Guantánamo e o Pesadelo da História". Ele sai fora da ficção para comparar a França traumatizada do fim do século 19 com o trauma americano do começo do século 21.
Na França, abalada pela derrota na guerra com a Prússia e a Alemanha, só havia uma instituição confiável, o Exército. Quando surge um traidor, mesmo sabendo quem é o verdadeiro culpado, a Justiça, sob pressão do Exército, atropela os diretos humanos e condena à prisão na abominável Ilha do Diabo um brilhante oficial judeu do alto comando, Alfred Dreyfus.
"Um verdadeiro francês jamais trairia a França". Depois de três julgamentos, cinco anos de confinamento, da mobilização de defensores de direitos humanos e uma contundente carta do escritor Émile Zola ao presidente, Dreyfus foi perdoado.
Para Begley, o trauma americano foi o 11 de Setembro. O presidente Bush, o vice Cheney, o secretário Rumsfeld e os advogados do governo se aproveitaram da fragilidade do país para promover invasões, abusos, torturas e criar a prisão de Guantánamo, a Ilha do Diabo dos americanos.
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