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10/03/2011 - 11h08

Patriota cobra 'engajamento' dos EUA em reforma de Conselho da ONU

JOÃO FELLET
DA BBC BRASIL

Às vésperas da primeira visita do presidente Barack Obama ao Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, disse esperar que "os Estados Unidos permaneçam engajados em uma reforma do Conselho de Segurança da ONU que preveja a inclusão de novos membros permanentes do mundo em desenvolvimento, como o Brasil, a Índia e outros".

"Já não é razoável nem justificável convivermos com um Conselho de Segurança que parece refletir mais um mundo do século 20 que um do século 21", disse Patriota em entrevista por telefone, durante viagem à China, na última sexta-feira.

Na entrevista, o chanceler afirmou ainda que o governo brasileiro se solidariza com os protestos no mundo árabe e que qualquer decisão sobre intervenções militares na Líbia ou em outros países da região devem ser tomadas no âmbito do Conselho de Segurança.

Leia os principais trechos da entrevista.

BBC Brasil: Nos últimos anos, o Brasil decidiu se abster em votações do Conselho de Segurança da ONU sobre violações de direitos humanos, como numa resolução contra o Sudão pela violência em Darfur, em 2005. Na semana passada, porém, o Brasil votou a favor de uma resolução contra a Líbia. A posição da diplomacia brasileira quanto a direitos humanos mudou neste governo?

Antonio Patriota - Direitos humanos são uma prioridade importante para o Brasil. Primeiro, e mais importante, o Brasil busca melhorar a situação dos cidadãos brasileiros internamente, e com isso o governo do presidente Lula esteve extremamente engajado, inclusive com a criação da secretaria de Direitos Humanos, a secretaria para promover a igualdade de raças e uma secretaria para promover igualdade de gêneros.
Quando se lida com sua situação interna, sua posição internacional tende a ser mais respeitada e votar a favor ou se abster deve ser visto como manifestação dentro de contextos.
Uma situação que nos preocupa muito é a divisão Norte-Sul em algumas deliberações sobre direitos humanos. Se há uma polarização muito aguda ao tratar algum assunto, em que o norte parece prover todas as respostas e o sul é tratado só como o receptor do conselho, às vezes o Brasil tenta agir como uma ponte, para unir os dois lados, e abstenções podem ser justificadas nesse contexto.
Mais recentemente, no Conselho de Segurança e no Conselho de Direitos Humanos, houve resoluções adotadas por consenso. O Brasil é muito frequentemente um país que tenta superar divisões, construindo consensos, então ficamos satisfeitos que resoluções sobre a Líbia nesses dois órgãos da ONU tiveram um amplo apoio e foram aprovadas não só por países do norte, mas também por países na região onde a Líbia está situada. Isso dá à comunidade internacional uma voz muito mais forte na situação.

BBC Brasil: O Brasil, desde o governo Lula, tem ampliado as relações comerciais e diplomáticas com o mundo árabe. Qual a posição do Brasil em relação à revolta em curso na região?

Patriota - O Brasil não pode deixar de se solidarizar com manifestações que são motivadas por aspirações com as quais nos identificamos. Os manifestantes desejam maior participação no destino de seus países, maior participação política, maiores oportunidades para suas economias, maiores oportunidades de emprego, dignidade, soberania. São objetivos que merecem todo o nosso apoio.
O Brasil tem estendido sua mão ao mundo árabe de maneira bilateral com relações com vários países, mas também através de novas coalizões e novas iniciativas como a chamada Aspa, a cúpula América do Sul - Países Árabes, iniciada em 2005 em Brasília.
Foi uma forma de aproximarmos duas regiões que têm objetivos comuns, que inclusive dialogam através da história pela presença na América do Sul de numerosos e significativos segmentos de imigrantes de origem árabe.
Desejamos que essas manifestações evoluam de forma pacífica. Acho que se existe crise, também existe oportunidade. Existe oportunidade, por exemplo, para trabalharmos pelo estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio, para melhorarmos o respeito aos direitos humanos --agora a Líbia foi suspensa do Conselho de Direitos Humanos, e essa não é uma decisão que não deve ser tomada como superficial, ela envolve uma postura muito forte do conselho em seu conjunto em favor dos direitos humanos na região e na Líbia.

BBC Brasil: Há sinais de que o Brasil e os Estados Unidos estão mais próximos desde a posse da presidente Dilma Rousseff, como a afirmação dela de que pretende aprofundar as relações com o governo americano e o alinhamento nessa votação recente na ONU sobre a Líbia. A importância dos EUA para a diplomacia brasileira aumentou?

Patriota - Como ex-embaixador em Washington, considero que os Estados Unidos e o Brasil não estavam distantes durante o governo Lula. Pelo contrário, houve um número grande de novas iniciativas, tanto na área de biocombustíveis como na área da promoção da igualdade racial, de gêneros, entre outros.
O comércio bilateral chegou a um recorde pouco antes da crise econômica de 2008, atingindo a cifra de US$ 53 bilhões nos dois sentidos. Aumentaram os investimentos brasileiros nos Estados Unidos, foram criados também mecanismos que aproximaram os empresariados dos dois países, de modo que o que está acontecendo é uma evolução natural.
Agora com a visita próxima do presidente Barack Obama, gostaríamos de elevar o nível da relação em algumas áreas de interesse especial para o Brasil, como ciência e tecnologia, e continuar trabalhando em mecanismos existentes para aprofundar nosso diálogo --um diálogo político também, que é extremamente importante, com os Estados Unidos permanecendo a principal economia e a principal potência mundial.
Não sei se concordaria com sua descrição sobre um alinhamento do Brasil com os Estados Unidos na última resolução. Como comentei antes, a resolução foi adotada por consenso, de modo que o mundo inteiro está alinhado em torno de uma certa visão para o encaminhamento da situação na Líbia.

BBC Brasil: Em visita à Índia em 2010, o presidente Obama apoiou a criação de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança para aquele país. O governo brasileiro espera que ele faça o mesmo durante a primeira visita dele ao Brasil, neste mês?

Patriota - Há poucos dias estive em Washington, para conversas no Conselho de Segurança Nacional e no Departamento de Estado. Nós conversamos sobre a reforma do Conselho de Segurança e a mesma pergunta foi feita à secretária de Estado, Hillary Clinton. Ela disse que admira --acho que essa foi a palavra que ela usou-- a contribuição do Brasil à promoção da paz e segurança internacional.
Existe, por exemplo, um respeito muito grande pelo trabalho que o Brasil tem desempenhado no Haiti, como líder das tropas da ONU naquele país, de modo que esperamos que os Estados Unidos permaneçam engajados numa reforma do Conselho de Segurança da ONU que preveja a inclusão de novos membros permanentes do mundo em desenvolvimento, como o Brasil, a Índia e outros, também da África, e que possamos dentro de um prazo relativamente breve introduzir maior legitimidade, maior representatividade nesse órgão, na medida em que o mundo está vivendo mudanças aceleradas na sua governança global.
Já não é razoável nem justificável convivermos com um Conselho de Segurança que parece refletir mais um mundo do século 20 que de um século 21.

BBC Brasil: Numa entrevista recente, a presidente Dilma condenou a abstenção do Brasil, adotada no governo Lula, em resolução da ONU contra violações de direitos humanos no Irã. Recentemente, no entanto, o senhor disse que o governo Dilma manteria relações próximas com Teerã. O Brasil se afastará ou continuará próximo do Irã?

Patriota - O Brasil tem relações com o conjunto de membros da comunidade internacional. Inclusive, no ano de 2010, nós estabelecemos relações diplomáticas com um pequeno número de países com as quais ainda não as tínhamos, como a República Centro-Africana e o Butão, de modo que procuramos desenvolver relações corretas, frequentemente também econômicas, com países de todas as regiões, sem discriminação quanto a sua orientação política.
Mas nós também somos extremamente respeitosos das resoluções do Conselho de Segurança, que são mandatórias. No caso do Irã, um dos países que estão sob sanções do Conselho de Segurança, isso foi respeitado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A declaração da presidenta Dilma deve ser interpretada como um compromisso muito firme dela, pessoal, e do governo brasileiro com a promoção dos direitos humanos onde quer que ocorram violações, e aí não é só no mundo em desenvolvimento, não é só em determinadas regiões do globo, ou no mundo islâmico.
Não nos esqueçamos de que algumas das piores violações de direitos humanos do mundo foram cometidas por países altamente poderosos, de modo que há necessidade de uma vigilância ecumênica, digamos assim, neste ponto.

BBC Brasil: O Brasil vai apoiar a nomeação de um relator especial para investigar a questão dos direitos humanos no Irã? Nesta semana, o chanceler iraniano disse esperar que o Brasil não mude sua postura em relação a votações recentes.

Patriota - Cada resolução é um assunto. Está sendo examinada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, uma resolução sobre a criação de um relator especial para o Irã. Existem relatores especiais para uma quantidade grande de assuntos, que às vezes são temáticos, como tortura, discriminação racial, às vezes são por países. Estamos em contato com outras delegações em Genebra para ver como se encaminha essa situação.

BBC Brasil: O senhor está na China num momento em que o país pressiona o Brasil para que o reconheça como uma economia de mercado. Ao mesmo tempo, o governo brasileiro dá sinais de que pode adotar medidas para coibir a entrada de produtos chineses e se posiciona de uma forma mais crítica em relação à desvalorização da moeda chinesa, o yuan. Como aprimorar a relação nesse cenário de embates?

Patriota - A China é o nosso principal parceiro comercial individual, é um parceiro estratégico, com que desenvolvemos uma relação complexa que envolve uma ampla gama de assuntos. Também nos coordenamos estreitamente com a China em vários foros multilaterais.
À medida que o relacionamento com a China envolve interesses econômicos, de diversos setores e de dimensão muito significativa, é natural que surjam questões que precisam ser lidadas com franqueza, transparência, e o Brasil não se furta a levantar as suas preocupações nesse relacionamento bilateral.
Existe uma preocupação, por exemplo, com a qualidade do comércio, na medida em que exportamos grande proporção de commodities --três produtos compõem a nossa pauta exportadora para a China, em quase 80% (soja, minério de ferro e petróleo). Nós gostaríamos de exportar mais produtos manufaturados.
Mas essa questão de medidas de proteção comercial é algo que todo membro da OMC tem o direito de fazer, e não é só o Brasil que aplica contra a China, a China também aplica contra outros parceiros. O importante aí é observar estritamente as regras multilaterais para atuarmos dentro da legalidade.
A questão da economia de mercado é uma que está em pauta não agora, recentemente, nem a China está pressionando agora de uma maneira diferente do que poderá ter feito no passado. Isso fez parte de um memorando bilateral que foi negociado no ano de 2004, e estamos em conversas com a parte chinesa para ver como é que implementamos esse memorando, que inclui compromissos da parte brasileira e da parte chinesa.

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