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24/03/2011 - 07h43

Descobertura positiva

LUCAS MENDES
DE NOVA YORK PARA A BBC BRASIL

Você sabe o que significa cobertura jornalística. A palavra "descobertura" não está no dicionário, mas se eu disser que foi o que aconteceu com a viagem do presidente Barack Obama ao Brasil você sabe do que se trata.

O ataque à Líbia e a nuvem radioativa japonesa tiraram o Brasil das primeiras paginas e das TVs. Fomos lá para o final, pouco mais do que notas.

As retas e curvas do Oscar Niemeyer em Brasília, o bate-bola de Obama na Cidade de Deus e as palmeiras na avenida Atlântica serviram de pano de fundo para stand ups dos correspondentes americanos sobre a Líbia.

Um deles, da rede NBC, mostrou o jornal "O Globo" como prova de que até no Brasil a principal manchete era a Líbia e não o encontro de Obama com Dilma, que aparecia na parte de baixo na primeira página.

Nos Estados Unidos, ele apanhou e ainda apanha dos extremos de direita e esquerda por não ter cancelado a viagem no começo de uma nova guerra americana.

Somos grandes, bons compradores, importamos deles mais do que vendemos, temos crédito na praça e US$ 160 bilhões em letras do Tesouro americano. Com esta emergência da classe C e 53% dos brasileiros na classe média nosso potencial de consumo pode ajudar a baixar os números do desemprego e re-eleger Obama em 2012. Não seremos decisivos, mas qualquer pontinho na porcentagem ajuda.

Mesmo sem Líbia e Japão não havia grandes expectativas sobre a viagem porque não há grandes problemas entre Brasil e Estados Unidos. Se Obama tivesse ido à Venezuela teria dividido a primeira página com o ataque a Gaddafi. Se tivesse ido a Cuba teria sido a manchete.

Não houve uma gafe, um incidente ou um acidente no fim de semana brasileiro e isto já basta para colocar a viagem no saldo positivo. Sem pesquisa, assim no tiro, me diga, do que você se lembra da viagem de um presidente americano ao Brasil? Clinton batendo bola com o Pelé? Protestos contra George W. Bush? Jimmy Carter falando sobre direitos humanos e o constrangimento dos militares?

Quantos vieram? Cinco? Nove? Dez? Os americanos se lembram menos ainda. Perguntei a um excelente editor e ele se lembrou da gafe de Reagan, que confundiu o Brasil com a Bolívia num brinde em Brasília. Quando foi informado que estava no Brasil, justificou o erro dizendo que estava a caminho da Bolívia.

Outro erro. A Bolívia nem estava no roteiro. Deu um cavalo bacana para o presidente brasileiro, ganhou outro e nenhuma zebra.

Mesmo quando os presidentes e vices não cometem gafes, há quem as crie, como a do vice-presidente Dan Quayle (vice do Bush pai), que, durante uma viagem pela América Latina, teria dito que o grande arrependimento dele era não ter aprendido a falar latim para se comunicar melhor com os latinos. Pura sacanagem.

Tão falso como a pergunta que Bush teria feito com FHC, na Casa Branca, se havia negros no Brasil.

Com cobertura ou descobertura, a grande maioria dos americanos continuaria profundamente desinteressada e ignorante sobre o Brasil. Somos café, carnaval, futebol, praias e mulatas com bundões. Alguns negros americanos já sabem sobre a Bahia, gays sabem sobre Santa Catarina, e os tarados sabem sobre as crianças do Nordeste.

Os investidores, acadêmicos e a minoria educada não se informa pelo noticiário das redes, mas pelas páginas de opinião. Os textos e análises realçaram a importância cada vez maior do Brasil, o crescimento econômico, o comércio com a China, a transição sem sangue da ditadura para a democracia --um exemplo para o mundo árabe-- e as novas possibilidades e oportunidades, pós-Lula, da conexão entre Dilma e Obama.

Comércio internacional, Irã, Honduras e mudanças climáticas agora parecem pendengas menores, mas mudanças nos vistos e o assento no Conselho de Segurança da ONU, a curto prazo, negativo. A médio, difícil, daqui a cinco anos, sem uma nova briga, com certeza.

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