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13/04/2011 - 07h28

Arrancar promessas da China não é grande coisa, diz historiador

SILVIA SALEK
ENVIADA ESPECIAL DA BBC BRASIL À CHINA

Para o historiador brasileiro Eric Vanden Bussche, a nova postura do Brasil, que adotou um discurso mais duro com a China em busca de maior diversificação no relacionamento bilateral, é um avanço mas deve gerar poucos resultados.

"Arrancar promessas dos chineses não quer dizer grande coisa", disse o historiador, que é pesquisador da Universidade de Stanford e atualmente professor visitante em Taiwan.

Segundo Vanden Bussche, o Brasil ainda é visto na China de forma similar à África. Para mudar isso restam, na opinião dele, poucas armas para o Brasil. "Uma delas seria se fortalecer na região, se consolidar como uma potência América do Sul", sugere.

Sobre a China, o historiador --que é formado pela Universidade de São Paulo e estuda o país asiático há mais de 15 anos-- acha que há duas mudanças claras hoje em relação a uma primeira entrevista concedida à BBC Brasil 10 anos atrás: a emergência de um nacionalismo popular que influencia diversas esferas do governo e também a política externa e ainda o aumento da censura.

Leia abaixo a entrevista da BBC Brasil com Eric Vanden Bussche.

BBC Brasil - A China não deu apoio explícito a uma eventual candidatura do Brasil no Conselho de Segurança. Mas será que palavras de apoio podem ser comemoradas? Houve algum avanço?
Eric Vanden Bussche - Não houve avanço. Desde o final da década de 90, os chineses dizem ver com bons a possibilidade de o Brasil ter um papel maior na ONU. Mas isto é mera retórica. O presidente Hu disse algo semelhante para o presidente Lula em 2004 e, no ano seguinte, se esforçou para enterrar a proposta. A China tem um grande temor que a reforma da ONU acabe resultando no ingresso do Japão no Conselho de Segurança.

Fala-se constantemente da oposição na China à entrada do Japão e do erro estratégico do Brasil ao aliar sua candidatura à do Japão. Qual, na prática, é o grande problema da China com isso além dos ressentimentos históricos?
A oposição da China ao Japão se deve não apenas a ressentimentos históricos, mas também a outros três fatores. Primeiro, a China teme que o Japão se alie aos EUA no Conselho de Segurança contra interesses chineses. Segundo, o governo chinês teme que, ao apoiar tal reforma, sua população acuse o Partido Comunista Chinês de traição por permitir a entrada do Japão. O governo chinês se tornou bastante sensível ao sentimento popular. Existe na China hoje a emergência de um nacionalismo popular que o governo tem dificuldades de controlar. Ele tem forte influência na condução da política externa chinesa. Em terceiro lugar, há a questão das aparências e do simbolismo de a China ser a único país asiático e em desenvolvimento a ter um assento permanente no Conselho de Segurança. A China não vê com bons olhos qualquer mudança neste status quo.

Mas o que o Brasil deve fazer então para conseguir esse tão esperado apoio explícito da China, se é que o país, pela sua análise, realmente quer o mundo multipolar e a reforma que defende no papel?
Se quiser um assento permanente, o Brasil terá que propor e obter apoio para uma reforma que exclua o Japão, o que seria quase impossível. E mesmo se isto se concretizasse, não sei até que ponto a China realmente se empenharia para ajudar o Brasil a concretizar tal objetivo.

E por que não?
Eu ficaria muito surpreso se a China realmente se empenhar nesta questão. A única coisa que a presidente Dilma conseguiu dos chineses foram palavras de apoio e, como o presidente Lula descobriu em 2004-2005, palavras de apoio não refletem necessariamente a vontade dos chineses nem a forma com que a China irá se comportar. Para mim, isto é apenas uma encenação dos chineses, como foi antes.

E sobre a posição do Brasil em relação à China? A presidente usou um discurso mais duro em defesa da diversificação das relações comerciais. Será que teremos resultados práticos?
Mesmo que a presidente Dilma tenha adotado uma postura mais dura em relação à China, não creio que haverá grandes mudanças no relacionamento bilateral. Arrancar uma série de promessas dos chineses não quer dizer grande coisa. Em sua visita a China em 2004, o então presidente Lula conseguiu arrancar do presidente Hu Jintao o comprometimento de que a China apoiaria a entrada do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em 2005, entretanto, a China se engajou para enterrar tal proposta.

O que o senhor está dizendo é que mesmo o apoio a um mundo multipolar não é bem assim?
A China age como uma potência na esfera mundial. Quando assumiu o poder, o presidente Lula enxergava a China como um possível parceiro com o qual poderia forjar uma aliança política no âmbito internacional para defender uma maior participação dos países em desenvolvimento em foros internacionais. Os esforços chineses, entretanto, têm sido de solidificar a sua posição de potência na atual ordem mundial em vez de modificar as estruturas vigentes. A China abandonou aquela sua postura que vigorava até a década de 90 de se engajar por um mundo multipolar sem potências hegemônicas. Essa nova posição da diplomacia chinesa foi um reflexo da crescente influência do nacionalismo na China.

Como o nacionalismo influencia isso?
Um dos pilares sobre o qual se assenta a ideologia nacionalista chinesa difundida pelo governo é a sua crescente influência na esfera internacional. A China deseja ocupar um status mais elevado no cenário mundial, pois se enxerga como um potência mundial. Na visão chinesa da conjuntura internacional pós-Guerra Fria, o Brasil ocupa um status inferior, o de potência regional. Isto faz uma grande diferença na forma como os chineses passaram a lidar com o Brasil.

E, para os chineses, qual o papel do Brasil na nova conjuntura mundial?
O de exportador de commodities que abasteçam a crescente demanda da indústria chinesa por tais produtos. Não há mais grande interesse da China em trabalhar juntamente com o Brasil em foros internacionais para democratizar a ordem mundial e implantar mudanças que seriam benéficas para países em desenvolvimento. Na esfera política internacional, a afinidade de posturas entre ambos os países (como o multilateralismo) não é mais tão forte quanto na década de 90. Eu acho que a diplomacia brasileira ainda não percebeu isto.

Há algo que o Brasil possa fazer para aumentar sua influência na China, na sua opinião?
O Brasil ainda não elaborou uma política externa concreta voltada para a China. As reivindicações do Brasil que geraram uma postura mais dura da presidente Dilma se resumem a questões pontuais, a maioria referentes a área comercial. São poucas as pessoas que tem uma visão mais abrangente das relações bilaterais. A China sabe do que necessita do Brasil para continuar o seu desenvolvimento econômico e a sua ascensão como potência mundial. Mas o Brasil não tem muito claro como o relacionamento com a China poderá ser favorável ao seu desenvolvimento e posição política na ordem mundial. O Brasil parece que ainda não entendeu as transformações da política externa chinesa dos últimos anos.

Mas o senhor não vê então nenhum avanço nesta viagem?
A postura mais dura da presidente Dilma pode representar um começo, mas infelizmente não vejo muito além disto. O Brasil precisaria se engajar mais para dinamizar as relações, não somente na área comercial. Só porque o Brasil vende mais para a China hoje do que há uma década não quer dizer que estamos dinamizando as relações bilaterais. Em certas áreas - como na política, por exemplo - houve um retrocesso em vez de avanços. A abertura para três frigoríficos e certas promessas de investimentos são apenas pequenas concessões da parte chinesa.

Falando agora um pouco da China. A gente conversou 10 anos atrás. De lá pra cá, o que mais mudou no país?
Duas coisas principalmente: a emergência do nacionalismo e um maior controle do governo chinês sobre a população e sobre os meio de comunicação. O nacionalismo, na minha opinião, suplantou a ideologia socialista de vez. Você vê hoje entre os chineses um grande amor à pátria. Como a China está muito mais forte, o governo chinês está sendo muito mais agressivo no que se refere às relações com os outros países, principalmente com os Estados Unidos. O governo está alimentando esse sentimento entre a população. Para o governo, tem um lado positivo porque ele preenche o vácuo deixado pelo comunismo. Por outro lado, é um sentimento que acaba ganhando vida própria e sendo difícil, em alguns casos, para o governo controlar. Há também um forte sentimento nacionalista entre as forças armadas. E com esse sentimento nacionalista, o Exército está exigindo uma maior agressividade dos governantes nas relações com os Estados Unidos, Europa. Vai ser muito interessante observar como isso vai se desenvolver.

Pelo que você está descrevendo, uma china nacionalista, com militares ganhando força, é de certa forma amedrontadora para um observador externo.
Não acho que o Ocidente deva ficar extremamente alarmado com isso. Não vai haver uma China que vai tentar controlar o mundo. Mesmo porque os dirigentes chineses sabem que é preciso haver um equilíbrio de forças para proteger seus interesses no mundo. O que vai haver na China é uma maior disputa interna por poder entre as diversas instituições. A classe média, por exemplo, quer um Judiciário mais independente e o governo sabe que o apoio da classe média é importantíssimo, então, terão de fazer mudanças no Judiciário.

Qual é a disposição do governo chinês de exercer o papel de potência?
Vão trazer um novo modelo de ser potência. E já estão fazendo isso. Será uma potência muito mais preocupada em assegurar os seus interesses econômicos e cooptar diversos países, principalmente, fornecedores de matérias-primas. Os esforços da China na África são extraordinários. Não vai intervir militarmente em outros países, como os Estados Unidos e outros que antecederam os Estados Unidos. Mas, sim, uma potência que lutará para se infiltrar economicamente em países aproximando-os da sua esfera de influência. Um dos princípios que regem a diplomacia chinesa é o da não-interferência.

Aqui, se fala muito de história, botam muito a situação atual da China em um contexto histórico. Qual a importância disso para o senhor?
Desde pequenos, os chineses aprendem nas aulas de história que, desde a guerra do Ópio, em 1840, até 1949, eles chamam isso de século de humilhação. Como não era uma potência, não era avançada tecnologicamente, sucumbiu, foi humilhada, teve que assinar uma série de tratados desiguais. A partir de 1949, eles conseguiram expulsar todos os estrangeiros e, aos poucos, estão se reerguendo e o século 21 será o século da China.

Para terminar, quais seriam as grandes questões dessa China do século 21?
Como a China vai lidar com o desenvolvimento do interior? O desenvolvimento e a prosperidade serão suficientes para a sociedade tolerar um regime autoritário por parte do governo? Hoje, tenho notado que o governo tem muito mais censura do que há dez anos quando conversamos. Sabe usar muito melhor a tecnologia, sabe controlar a internet. Quando houve aquela tentativa de protesto, a Revolução de Jasmin, a polícia já estava esperando os manifestantes chegarem. Controla mais os meios de comunicação. Uma terceira questão é a ideologia nacionalista, que está crescendo entre os mais jovens. Como ela vai se desenvolver e influenciar o equilíbrio de forças no país.

E a influência da China no mundo? Veremos a emergência do soft-power chinês?
A China está tentando, estabelecendo o Instituto Confúcio ao redor do mundo para difundir a cultura chinesa. Agora, será que vai conseguir fazer isso de maneira eficiente como os Estados Unidos? Não, não vai. Primeiro, há um receio por parte de pessoas que vivem em democracias em relação à China. Tem a questão dos direitos humanos, do autoritarismo que sempre deixa a China suscetível a críticas. A China também não sabe construir uma imagem simpática frente à comunidade internacional, não tem carisma. E na medida em que estão aumentando seu poderio econômico e militar, estão se sentindo no direito de ser ainda mais agressivos. Agora, acham que o momento histórico é deles, não tem de justificar nada para ninguém.

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