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08/09/2011 - 08h31

"Cada dia procuro ser menos egoísta", diz brasileiro sobrevivente do 11/9

ALESSANDRA CORRÊA
DA BBC BRASIL, EM WASHINGTON

Dez anos após ter escapado ileso dos atentados ao World Trade Center, em Nova York, onde trabalhava em 11 de setembro de 2001, o gaúcho Larry Pinto de Faria Júnior diz não guardar traumas, mas afirma que o episódio o transformou em uma pessoa diferente.

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"Ver a morte assim de perto muda a maneira de encarar a vida", disse Júnior à BBC Brasil.

Arquivo pessoal
Larry Pinto de Faria Júnior e a mulher, Valéria; ele vai para a praia no próximo dia 11 e ficará longe de qualquer cerimônia
Larry Pinto de Faria Júnior e a mulher, Valéria; ele vai para a praia no próximo dia 11 e ficará longe de qualquer cerimônia

"Eu mudei minha filosofia de vida, mudei minhas atitudes. Passei a ser uma pessoa completamente tranquila e consciente das minhas responsabilidades. A cada dia procuro ser uma pessoa menos egoísta."

Aos 53 anos, Júnior trocou Nova York por Miami, mas ainda trabalha na mesma empresa do mercado financeiro, a Icap --na época chamada Garban Intercapital, que funcionava no 25º andar da Torre Norte, a primeira a ser atingida nos atentados que mataram quase 3 mil pessoas.

Apesar de estar adaptado e feliz na Flórida, ele diz que, se fosse necessário, voltaria para Nova York.

"Se eu tivesse que trabalhar lá de novo, na mesma torre, eu trabalharia sem problema nenhum."

MEDO

Naquela manhã, no momento em que o avião atingiu o prédio, às 8h46, Júnior já estava no escritório havia mais de duas horas.

"Eu estava ao telefone. Foi uma pancada muito forte", lembra. "Olhei para o meu chefe, que estava sentado ao meu lado, e disse: 'Vamos embora que esse edifício vai cair'."

Sem saber o que tinha acontecido --muitos pensavam que era uma bomba--, os funcionários começaram a descer os 25 andares.

"Todo mundo desceu tranquilamente. Lá pelo 16º andar, começamos a cruzar com os bombeiros, que estavam subindo, carregando equipamentos, e pediram que deixássemos o lado esquerdo da escada livre. E todo mundo obedeceu, ordeiramente", conta.

No meio do caminho, Júnior recebeu um telefonema de um amigo que lhe disse que um "aviãozinho" havia batido no prédio.

"Fiquei mais tranquilo. Falei para o pessoal que estava comigo: 'Não é atentado. Parece que foi um avião que bateu aí em cima'."

Após deixar o prédio, tentou alcançar as barcas para atravessar o rio Hudson e chegar ao outro lado, onde morava, em Jersey City. Foi impedido por uma policial, já que o serviço estava suspenso. Foi então que a Torre Sul ruiu.

"Foi só neste momento que senti medo", diz. "Caiu do meu lado. Aí começou aquela poeira, todo mundo começou a correr. Eu bati o recorde dos cem metros, corri como um louco."

SOBREVIVENTES

A Garban Intercapital ocupava quatro andares do World Trade Center e tinha cerca de 1,8 mil funcionários. Segundo Júnior, apenas um morreu, porque estava em uma reunião em outra empresa, no 106º andar.

Os três brasileiros que trabalhavam com Júnior sobreviveram, mas ele perdeu vários amigos e ex-colegas nos atentados.

Ele próprio poderia ter sido uma das vítimas. Quando chegou aos Estados Unidos, em 1999, trabalhava para uma empresa concorrente, a Euro Brokers, que funcionava no 84º andar da Torre Sul - a segunda a ser atingida e a primeira a cair.

"Quando o primeiro avião bateu na minha torre, eles também começaram a descer, mas a brigada de incêndio pediu que voltassem, porque o problema era no outro prédio. Pediram que esperassem evacuar a minha torre, para só então deixarem o prédio deles", relata.

"Voltaram e, logo em seguida, houve a tragédia. Uma parte da asa pegou no 85º andar. Muita gente morreu, não só pelas chamas, mas pelo impacto", diz Júnior, que havia deixado a Euro Brokers em janeiro de 2000.

IMPACTO

No dia dos atentados, Júnior só conseguiu voltar para casa às 18h30. No meio do caminho, parou na residência do chefe, também brasileiro, e telefonou para a mulher, Valéria, que estava no Brasil para comemorar o aniversário, em 10 de setembro.

Quando chegou em casa, recebeu a visita de um vizinho, cuja mulher trabalhava na Cantor Fitzgerald, empresa que perdeu 658 funcionários nos ataques.

"Ele ficou muito nervoso e foi para a minha casa. Estava buscando informações sobre a mulher (que morreu).
Aquilo me deixou muito abalado. Eu estava feliz por estar vivo, e aquilo contrastava com a situação dele", diz Júnior.

Poucos dias após os atentados, Júnior viu um psicólogo falar na TV sobre o impacto da tragédia.

"Naquele momento, eu ainda não sabia, mas vivi exatamente a sequência de sentimentos que ele descreveu", diz.

Ele conta que, passado o momento de euforia, por ter sobrevivido, veio uma profunda tristeza, por ter perdido amigos, seguida de raiva dos culpados pelos atentados e de depressão.

MUDANÇAS

Menos de uma semana após os atentados Júnior desembarcou em São Paulo, onde permaneceu por um ano e dois meses trabalhando em um escritório provisório da empresa.

Depois, quando a companhia já havia aberto um novo escritório, em Jersey City, ele voltou aos Estados Unidos. "Eu queria voltar, não queria ficar no Brasil", diz.

Em dezembro de 2007 foi transferido para Miami, com a abertura de uma filial da empresa.

Júnior conta que comprou todos os livros publicados sobre o 11 de Setembro e buscou estudar a fundo as razões que levaram ao atentado. Mas hoje, dez anos depois, diz não ter ficado traumatizado com o episódio.

"Acho que não me deprimi tanto porque não vi ninguém morrer. Ao contrário de alguns colegas, que viram pessoas caindo do prédio ao lado deles, pessoas queimadas, gente soterrada, eu não vi nada disso", diz.

Ele afirma, porém, que o 11 de Setembro selou um processo de mudanças em sua vida iniciado ainda antes de chegar aos Estados Unidos.

"Foi uma sequencia de coisas. Eu tinha recém-casado com a minha mulher. Ela vinha de um casamento anterior longo, eu também. Estávamos em uma situação financeira difícil no Brasil e mudamos para cá. Reconstruímos nossa vida", diz.

"Não foi apenas o atentado. Mas com o atentado eu passei a ver a vida de uma maneira completamente diferente."

CERIMÔNIA

A morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, em maio deste ano em uma operação de forças americanas no Paquistão foi recebida com alívio pelo brasileiro.

"Eu não vou dizer que fiquei feliz", afirma. "Mas eu acho que eles precisavam fazer isso em nome de todas as pessoas que sofreram no atentado."

Dos brasileiros que trabalhavam na Garban Intercapital no dia dos atentados, somente Júnior e o chefe continuam na empresa, mas o 11 de Setembro não faz parte das conversas.

"Ele não gosta de tocar no assunto. Nunca mais falamos sobre o atentado", diz.

Júnior não se importa de falar sobre o assunto, mas não pretende se envolver nas cerimônias para marcar os 10 anos dos atentados, no próximo domingo.

"No dia 11 de setembro, vou pegar minha mulher, o filho dela, que está nos visitando com a namorada, e vamos para Palm Beach, na beira da praia. Não quero nem ver cerimônia."

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