Denúncias de assédio sexual crescem em 2017, mas ainda são privilégio para poucas

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 13-11-2017, 18h00: MULHERES CONTRA A PEC 181 - CAVALO DE TROIA. Manifestantes durante protesto contra a PEC 181, aprovada por 18 votos a 1, em comissão especial da Câmara. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FSP*** SELENE No: 547544
Manifestantes durante protesto contra a PEC 181, aprovada por 18 votos a 1, em comissão especial da Câmara

A revista "Time" elegeu como Personalidade do Ano as mulheres que quebraram o silêncio sobre o assédio sexual que sofreram, essa epidemia silenciosa que devasta vidas, contamina relações, vulnerabiliza pessoas.

Os EUA estão no topo dessa que talvez seja a maior revolução desde a década de 1960, pela quantidade de casos denunciados nos últimos meses e que teve enorme adesão por meio do movimento #metoo (#eutambém).

Celebridades e anônimos se uniram para falar sobre o que a maioria das pessoas sabe que acontece, mas pouca gente tem coragem e suporte para tornar público.

O caso mais emblemático no Brasil envolveu o ator José Mayer, acusado pela figurinista Su Tonani, de ter, entre outras coisas, tocado sua vagina no local de trabalho. O caso foi revelado por meio do blog #agoraéquesãoelas, da Folha, e estimulou outras mulheres a fazer o mesmo. Mas o alcance dessas incriminações ainda é tímido, embora importante.

Denúncias não são novidades. Mas, sim, repercussão e desdobramentos. Como algumas acabaram com carreiras ou colocaram os protagonistas num hiato infinito criou-se a falsa impressão de que o mundo está virando uma página e que esse tipo de comportamento não será mais tolerado. Desmascaramos o culpado, julgamos e temos resposta imediata desse microcosmo de privilegiados ao qual pertencemos. Por meio de campanhas na internet, mulheres têm conquistado poder que jamais tiveram em outro momento da história. As palavras mobilizam, encontram conforto e empatia e promovem mudanças.

Mas temos que reconhecer que é privilégio de uma minoria munida de informação, consciente de seus direitos, que descobriu como se armar e sabe que terá amparo, se não aceitar mais calada esse tipo de violência. A questão é como chegar à outra ponta, onde se situam as mais vulneráveis, com menos escolaridade, com pouca percepção do papel social da mulher, aquelas sem acesso aos canais necessários para se proteger. Aquelas que têm medo de ser julgadas, hostilizadas, de perder o emprego ou a reputação. A grande maioria das brasileiras.

É promissor o que vemos acontecendo, mas nos dá a percepção equivocada de que a mudança no comportamento da sociedade chegou para todos. Não chegou. Há um abismo ainda entre a conscientização da minoria e a mudança necessária para que se mude o curso da história. Podemos comparar à era Obama, na Casa Branca, quando muitas pessoas acreditavam ser o fim da linha que dividia brancos e negros, e ficou conhecido como "post racial America". Trump presidente não deixa dúvidas de que a América pós-racismo era apenas uma ilusão.

No que se refere ao assédio sexual, muitos obstáculos precisam ser transpostos. O primeiro deles é educação que promova igualdade de gênero para que essa transformação seja de fato abrangente e para que as novas gerações tenham uma visão diferente de mundo. A segunda é uma profunda mudança na cultura sexista das empresas, que privilegiam homens em detrimento de mulheres em cargos de liderança, em que os departamentos de recursos humanos continuam ignorando o assédio, como se não fosse um problema crônico.

Não tem volta, mas foi só o primeiro passo.

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