Cientistas fazem viagem ao interior da Terra com simulações virtuais

Crédito: Wikimedia commons O mineral conhecido como coesita
O mineral conhecido como coesita

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Uma viagem ao centro da Terra, à moda de Júlio Verne, segue sendo ficção. Mas trazer o interior da Terra ao laboratório –e a simulações de computador– já é a mais pura realidade.

Um grupo de pesquisadores na China e no Brasil está investigando o que acontece com certos minerais quando eles são submetidos às enormes pressões do manto terrestre.

A resposta mais simples é: eles são transformados. Mas como? É aí que as coisas ficam mais complicadas.

Experimentos de laboratório nos últimos anos pareciam oferecer respostas incongruentes, sobretudo na investigação de um mineral conhecido como coesita. Trata-se de uma forma de dióxido de silício produzida especialmente em alta pressão.

"Na literatura, existia uma divergência sobre quais fases e quais os caminhos pelos quais a coesita iria se transformar, seja terminando em uma fase octoédrica da sílica, mais compacta, ou amorfizando [perdendo a forma cristalina]", explica Caetano Miranda, pesquisador do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo) e coautor do novo trabalho, publicado na revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, a "PNAS".

Para desvendar o que acontecia exatamente, os pesquisadores decidiram realizar simulações de dinâmica molecular –ou seja, recriar no computador as forças que atuam sobre as moléculas individuais e ver o que acontecia quando elas eram submetidas a graus e padrões variados de pressão.

Crédito: Editoria de arte/Folhapress

"Nosso trabalho não apenas desvenda os múltiplos caminhos pelos quais a coesita se transforma, clarificando a divergência entre os diferentes resultados experimentais, mas também, talvez mais importante, conseguimos explicar os mecanismos moleculares subjacentes a essas transformações."

CONSEQUÊNCIAS

Os resultados permitem agora dizer, a partir de uma amostra de coesita numa determinada amostra de rocha, a que condição de pressão ela esteve submetida, na época em que ainda fazia parte do manto terrestre. "Ela serve como um geobarômetro confiável", explica o pesquisador.

Miranda destaca que o mineral também passa a ser útil para investigar regiões em que houve impacto de asteroides ou até mesmo a detonação de uma bomba nuclear –em ambos os casos, há condições extremas de pressão e temperatura.

"Há presença de coesita em amostras da cratera de Chicxulub, indicando uma colisão na região da península de Yucatán, no México", conta o pesquisador brasileiro. Essa cratera, formada há 65 milhões de anos, está associada à extinção dos dinossauros.

APLICAÇÃO TECNOLÓGICA

O trabalho faz parte de um projeto de cooperação mais amplo entre Brasil e China, focado em nanotecnologia –uma iniciativa do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações).

"Especificamente, nosso projeto tem como objetivo a combinação de metodologias computacionais em escalas múltiplas para abordar o problema de estabilidade de materiais avançados e nanoestruturas em condições severas –sejam eles a exploração do pré-sal ou a criação da nova geração de reatores nucleares", explica o pesquisador.

Em paralelo, Miranda também desenvolve no IFUSP o projeto de extensão: "Cri@tividade: aprendendo física com arte, fazendo arte com física". E uma das linhas do projeto envolve a sonificação de trabalhos realizados pelos físicos. Assim, é possível "ouvir" o ruído dos espectro colhido pelas diversas fases possíveis da coesita, em.

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