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alexandre schwartsman

 

28/11/2012 - 03h00

Déjà-vu

DE SÃO PAULO

Quando o próprio governo reconhece que o regime cambial é de "flutuação suja", é porque não restou flutuação, só sujeira.

Nos últimos seis meses (127 dias úteis), o dólar ficou no intervalo de R$ 2,00 a R$ 2,05 em nada menos do que 106 dias, mais do que 80% do tempo. Como na história de Cachinhos de Ouro, o mingau era muito frio abaixo de R$ 2,00 (apenas 8 observações) e muito quente acima de R$ 2,05 (modestas 13 observações). Apenas naquele intervalo é que as autoridades pareciam confortáveis.

Os motivos eram claros. Abaixo de R$ 2,00, recomeça a choradeira do setor industrial, à qual o governo não consegue resistir. Já o câmbio acima de R$ 2,05 parecia gerar certo receio, talvez acerca da inflação, muito embora na lista de prioridades do governo ela apareça logo após o programa de corte das garras das harpias nos parques federais.

Resta saber se esse estado de coisas seria duradouro. Desenvolvimentos recentes mostraram que não, em razão do que vem ocorrendo no mercado de trabalho e do parco desenvolvimento no campo da produtividade.

Como tenho insistido há tempos, existem sinais cada vez mais fortes de que o mercado de trabalho se encontra apertado. Apesar de o ritmo de criação de empregos ter se reduzido, em particular no segmento do trabalho formal, os salários prosseguem crescendo aceleradamente, algo como 8% no terceiro trimestre deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado.

Já o crescimento da produtividade, tomado ao pé da letra, tem sido negativo, pelo mesmo até o segundo trimestre.

Na minha interpretação, mais caridosa, a tendência de expansão da produtividade é da ordem de 1,5% ao ano, positiva, mas ainda assim insuficiente para compensar o aumento de custos advindo da pressão salarial.

Nesse aspecto, a salvação da lavoura, principalmente para o setor industrial, foi a depreciação da moeda. Medido em dólares, o salário médio caiu de US$ 990 no terceiro trimestre de 2011 (o mais elevado da série) para cerca de US$ 860 no mesmo período de 2012 (-13%).

Todavia, a se manter o ritmo de crescimento dos salários, em um ano seu valor em dólar já estará ao redor de US$ 930 caso a taxa de câmbio permaneça inalterada, erodindo novamente a competitividade do setor industrial.

Posto de outra forma, passa a ser questão de tempo para que o BC, guiado pelo Ministério da Fazenda, seja obrigado a migrar a taxa de câmbio para novo patamar, de modo a manter salários nacionais (ajustados à diferença de produtividade) alinhados aos dos concorrentes internacionais.

Caso haja sensação de déjà-vu, não se espante: trata-se da mesma política cambial adotada na década de 1970 e com implicações similares.

Por um lado, desvalorizações periódicas permitirão o repasse de preços internacionais, assim como observamos recentemente no caso das commodities agrícolas.

Por outro lado, o aperto no mercado de trabalho deve garantir que salários continuem subindo acima da inflação. Em particular isso implica que a inflação de serviços deve seguir rodando acima da inflação de bens.

Visto por outro ângulo, à medida que a economia se aproxima do pleno emprego, a taxa de câmbio teria que se apreciar para aumentar as importações líquidas e, portanto, a oferta total de bens e serviços.

Caso, porém, a política cambial não permita que tal ajuste se dê pelo barateamento do dólar, a apreciação ocorrerá pelo encarecimento do produto local.

A alternativa a essa política envolveria, por um lado, um controle mais estrito dos gastos públicos, em particular dos gastos correntes, e, por outro, um conjunto de políticas dirigido à aceleração do crescimento da produtividade.

Considerando o que foi feito nessas áreas até o momento, contudo, consigo até entender por que a preocupação com a inflação vem depois da manicure das harpias: sob esse regime, deve ser mais difícil trazê-la de volta à meta do que tentar apanhar os pássaros na unha.

alexandre schwartsman

Alexandre Schwartsman, formado em administração pela FGV-SP e em economia pela USP, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley). Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, é também professor do Insper. Escreve às quartas, semanalmente.

 

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