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alexandre schwartsman

 

26/12/2012 - 03h00

A bola torta

Na semana passada, o Banco Central, seguindo os rituais associados ao nosso finado regime de metas para a inflação, divulgou seu Relatório de Inflação, publicação trimestral que, em outros tempos, foi o principal canal de comunicação da autoridade monetária com o público.

Naquela época, analistas vasculhavam cuidadosamente o documento, em particular as previsões do Copom sobre a evolução esperada dos preços, variável crucial para as decisões de política monetária.

Nos dias de hoje, as previsões do BC atraem bem menos a atenção. Em parte, talvez a principal parte, porque é mais do que claro que elas deixaram de guiar as taxas de juros determinadas pelo Copom.

Em mais de uma instância, mesmo prevendo inflação acima da meta e crescente, o BC simplesmente ignorou suas próprias projeções e persistiu na trajetória de redução da taxa de juros.

Por esse lado, não deveria haver nenhuma surpresa quanto ao fato de o IPCA-15, uma medida antecipada do número oficial (o IPCA), ter atingido a bagatela de 5,8% em 2012, muito distante da meta de 4,5%.

(A propósito, bem me recordo da descrença acerca da minha previsão sobre a inflação atingir entre 5% e 5,5%, mais perto de 5,5% do que de 5%. Ironias da vida: quem diria que me revelei, na verdade, um otimista inveterado, apenas pouco melhor que o otimista invertebrado?)

Pode ser, porém, que a menor atenção devotada às previsões do Banco Central reflita também ceticismo sobre a qualidade desse número, que tipicamente tem se mostrado muito mais otimista do que a Poliana que escreve estas mal traçadas.

De fato, em dezembro de 2009, o BC previu que a inflação em 2010 atingiria 4,6%; o número final foi 5,9%.

Em 2010, a previsão oficial para 2011 indicava 5%, mas a inflação bateu 6,5%, o teto exato do intervalo de tolerância.

Apesar disso, em dezembro daquele ano, o BC redobrou a aposta e prometeu a convergência para a meta, cravando 4,7% para a inflação de 2012, que, tudo indica, deverá ficar mesmo na casa de 5,8%, como adiantado pelo IPCA-15.

Em três anos consecutivos, pois, o BC errou por mais de um ponto percentual de diferença (o erro médio é de 1,3 ponto percentual).

Diga-se, porém, que errar a previsão não é, a princípio, nenhuma grande vergonha nem o principal tema da discussão.

Caso o BC tivesse por vezes superestimado a inflação e em outras oportunidades a subestimado, diríamos que há problemas com a precisão das estimativas, mas não um viés. Afinal de contas, como se diz por aí (e eu, como economista, subscrevo entusiasticamente), fazer previsões é um negócio complicado, ainda mais sobre o futuro.

Na prática, porém, o que se observa são erros para um lado só: a subestimação sistemática da inflação. No primeiro caso, diríamos que a bola de cristal do BC está embaçada, como de resto a de todos nós economistas; já no segundo, eu diria que a bola de cristal do BC não está prevendo, mas torcendo, o que é muito diferente.

Não é por acaso, portanto, que, quando o BC projeta que a inflação será 4,8% em 2013 (ou mesmo quando promete apenas que será inferior à observada em 2012), tanto economistas como pessoas normais (a distinção é intencional) encarem a promessa com visível incredulidade, expressa, por exemplo, na previsão consensual de mercado para a inflação na casa de 5,5% para o ano que vem (embora eu acredite que será ainda mais alta).

A triste verdade é que o Banco Central perdeu o controle do processo inflacionário ao perder as rédeas sobre as expectativas. Caso ache que vai segurá-las por meio de previsões excessivamente otimistas acerca da trajetória da inflação, está em vias de sofrer um desapontamento amargo.

Se quiser recuperar a mão, o passo inicial é reconhecer a extensão do problema, atitude muito diferente da que encontramos no Relatório de Inflação e na comunicação do BC em geral.

Apesar disso, feliz 2013!

alexandre schwartsman

Alexandre Schwartsman, formado em administração pela FGV-SP e em economia pela USP, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley). Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e sócio-diretor da Schwartsman & Associados Consultoria Econômica, é também professor do Insper. Escreve às quartas, semanalmente.

 

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