Alexandre Vidal Porto

Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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Mulheres têm pouca voz na literatura e na grande imprensa

Nesta semana, alguns colunistas homens cederão a mulheres seus espaços na imprensa. Eu sou um deles.

"Acredito que a desigualdade [de gênero] seja um problema no mundo inteiro e que nós deveríamos discuti-lo mais."

Quem diz isso é a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Concordo com ela.

Ia escrever minha coluna sobre seu ensaio "Sejamos todos feministas", mas acho que a Sofia Mariutti, editora da Chimamanda no Brasil, conhece a condição feminina –e o texto do ensaio– melhor do que eu.

Cresci sob a sombra do meu irmão mais velho: Julio, o gênio.

Acreditava que o Julio seria o próximo Einstein, o que me orgulhava, mas é difícil fazer qualquer coisa quando você tem um futuro-Einstein logo à frente.

Com o tempo comecei a questionar essa alcunha. Afinal, os dois tinham bons resultados na escola e foram conquistando realizações análogas. Um dia, ouvi da minha mãe –que é uma baita profissional e exemplo pra mim: "O Julio tem mais inteligência lógica, e você tem mais inteligência emocional".

Ora, eu sempre fui bem nas exatas. Por que então minha inteligência emocional era mais reconhecida?

No artigo referido pelo Alexandre, que pode ser baixado de graça em qualquer livraria, Chimamanda fala de como educamos nossas mulheres para que agradem os homens, não os intimidem e, em última análise, sejam bem-sucedidas numa única empreitada: casar-se com um deles.

Hoje aprendi a enxergar os talentos e limites do meu irmão. Mas ainda me vejo imobilizada por essa semente que foi plantada na infância e que me faz desconfiar das minhas capacidades.

Tudo me leva a crer que não esteja sozinha, e que isso tenha muito a ver com o fato de eu ser mulher.

Há uma organização nos EUA chamada VIDA–Women in Literary Arts, que faz contagens anuais da representatividade feminina nas artes literárias.

Os números mostram que as mulheres convidadas a resenharem livros são poucas perto dos homens, e a maior parte dos livros resenhados são escritos por homens.

O que é um disparate se pensarmos que as mulheres são, sabidamente, a maioria dos leitores, e que escrevem e publicam tantos livros quanto os homens.

Em 2014, um grupo de feministas da Casa da Lua lançou a campanha #Kdmulheres depois da divulgação da lista de autores da Flip.

Dos 47 convidados, apenas 9 eram mulheres. A pauta do grupo ganhou espaço na festa seguinte, quando surgiu o estranhamento: a Flip foi idealizada por uma mulher, Liz Calder, com um passado de luta por mais espaço para as mulheres na literatura, na Inglaterra. Como, então, caímos nessa marginalização?

Uma das respostas pode estar na "síndrome de impostora", típica entre as mulheres.

No livro "Faça Acontecer", Sheryl Sandberg, COO do Facebook, fala dessa tendência a se sentir uma fraude diante de suas próprias realizações, como se em algum momento fôssemos ser desmascaradas.

Múltiplos estudos mostram como as mulheres tendem a subestimar suas próprias qualificações quando concorrem a empregos, enquanto os homens tendem a superestimá-las.

Isso nasce quando ouvimos que nossa inteligência é emocional e como somos lindas. Quando uma autora é finalmente convidada à Flip e então se vê sujeita ao título de musa da festa, como se sua aparência tivesse alguma importância.

Olhe para a página do editorial deste jornal e você terá a dimensão da baixa representatividade de mulheres na escolha do conteúdo da grande imprensa.

E entenderá a iniciativa da Manoela Miklos, #AgoraÉQueSãoElas.

Na semana passada, nos organizamos e tomamos as ruas num movimento poderoso. Mostramos que temos muito a dizer, mesmo que às vezes nos falte a voz.

Chimamanda conta a história de uma mulher que foi estuprada na Nigéria, suscitando a reação "Sim, estuprar é errado, mas o que ela estava fazendo no quarto com quatro homens?".

Com o PL5069, esta é a pergunta que será feita às vítimas de violência sexual, para que então elas possam, se o profissional de saúde envolvido se dispuser a tanto, recorrer ao aborto legal.

Note que a subestimação da mulher chega a tal ponto que questionamos seu juízo e sua capacidade de discernimento.

Acredite: é do interesse de homens e mulheres que este cenário mude. Sejamos todos feministas.

SOFIA MARIUTTI é editora da Companhia das Letras. Ela integra a iniciativa #AgoraÉQueSãoElas, em que mulheres escrevem no lugar de colunistas homens a convite deles.

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