Alexandre Vidal Porto

Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).

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Não merecemos Carnaval

Nos últimos dias, estive em Denver, Nova York e Washington. Nos Estados Unidos, ouvi falar do Brasil mais do que gostaria.

Em todos os canais de notícia, nosso país aparece como referência de ponto zero da epidemia de zika. Nos restaurantes, as pessoas comentam.

Sem nos darmos conta, transformamo-nos em ameaça para a saúde global. Recife falando para o mundo. O Brasil tornou-se território estéril, o país em que não se pode engravidar. Você, mulher em idade reprodutiva, viria para cá?

Faremos uma Olímpiada no Rio de Janeiro, e a notícia que vemos estampada mundo afora é a de lixo boiando nas águas pútridas da baía de Guanabara. As fotos da imundície não são montagem, e os atletas estrangeiros expressam preocupação. As autoridades brasileiras dizem que a água é segura. Você confiaria e daria um mergulho?

De acordo com pesquisa citada pelo site "Business Insider", o Brasil tem 19 das 50 cidades mais violentas do planeta em termos de homicídios per capita. É mais fácil ser assassinado no Brasil que na maioria dos países do mundo.

Se você for homossexual ou negro, suas chances de ter morte violenta são ainda maiores. Você se arriscaria a vir passar as férias no Brasil e virar estatística de criminalidade?

As referências elogiosas ao país desapareceram. Ninguém entende exatamente o que acontece. Quando me pedem para explicar, eu falo de uma classe política parasitária, de falta de espírito público e vergonha na cara, de incompetência, arrogância e corrupção.

A sensação que fica é de que o país é um lugar perigoso, berço de desonestos, onde se morre antes da hora.

Antes que o Planalto acuse: não se trata de complexo de vira-latas nem de complô contra o Brasil. Trata-se da realidade que nós, ignorando ou não, vivemos.

Até a simpatia com que contavam os brasileiros mundo afora parece ter-se perdido na cara amarrada da presidente que não consegue presidir. O mundo até queria gostar do Brasil, mas o país não se ajuda.

Você gastaria seu dinheirinho para vir para cá? Você se arriscaria a sofrer violência desnecessariamente, a adoecer por descaso das autoridades sanitárias, a ter um filho microcefálico porque quem tinha de fazer seu trabalho não fez?

Viver já é perigoso demais para que você se exponha às estatísticas. Para ter férias e diversão, há muitos outros lugares além do nosso desgovernado país –e sempre se pode assistir à Olímpiada na televisão.

Enquanto isso, passamos semanas nos preaquecendo para o Carnaval. Nas minhas mídias sociais, as pessoas aparecem fantasiadas, e uma amiga me disse ontem que passou a tarde costurando uma saia de cetim azul.

Pergunto-me como nos damos ao luxo, com tanta coisa precisando ser feita no país. Eu não entendo. O resto do mundo não entende.

Nada me parece mais individualista e inconsequente do que dançar enquanto nosso país se desfaz. Não merecemos recesso –momesco ou não– enquanto não terminarmos a faxina da sujeira que nos envolve.

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