Escritor e diplomata, mestre em direito (Harvard). Serviu na missão na ONU e no Chile, EUA, México e Japão. É autor de "Sergio Y. vai à América" (Cia das Letras).
Despedida
Quando eu, diplomata de carreira, resolvi tirar uma licença do Itamaraty, pouca gente entendeu a razão. Meu emprego era excelente: gostava do que fazia e dos colegas de trabalho e não tinha queixas de minha vida no Japão. Minhas perspectivas na carreira eram boas, e, com sorte, poderia tornar-me embaixador.
Era o começo de meu terceiro ano em Tóquio. Tinha passado quase 20 anos de minha vida adulta no exterior. Esse distanciamento do Brasil teve efeitos sobre mim. Sempre que voltava, sentia-me um pouco estrangeiro. Não entendia as gírias mais recentes e não reconhecia os lugares novos. As pessoas também me viam como estrangeiro. A gota d'água foi um desavisado, que, querendo me elogiar, disparou: "O seu português é perfeito. Onde foi que você aprendeu?"
Comecei a ter vontade de voltar ao Brasil. No entanto, queria voltar para um país mais diverso do que o do universo burocrático de Brasília. Havia ganhado um prêmio literário recentemente, e foi minha amiga e agente, Lucia Riff, quem, meio de brincadeira, sugeriu que eu passasse uma temporada em São Paulo. "Você não pode tirar uma licença ou coisa assim e vir para cá ficar com a gente, escrevendo?"
Eduardo Valente/Frame/Folhapress | ||
Prédio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília |
Nunca tinha aventado a hipótese de me licenciar, mas o fato é que, como servidor público federal, tinha direito a uma "licença para o trato de interesses particulares". Na prática, perderia o salário e o seguro de saúde, mas manteria o vínculo empregatício por até três anos.
Meu "interesse particular" era revisitar a cidade em que havia nascido e da qual partira aos 18 anos de idade. Queria reconhecer seus sotaques, sua sintaxe, seus personagens. Procurava fazer isso para representar o Brasil com maior entendimento, como escritor ou como diplomata.
Nas minhas colunas na Folha, busquei chamar a atenção para as implicações da diplomacia de um país sobre a vida cotidiana de seus cidadãos. Para o fato de que não estamos sozinhos no planeta. Também quis mostrar a importância dos conceitos de igualdade e justiça social no contexto global.
Falei de outras coisas, mas sempre quis deixar claro que, como qualquer outra política pública, a ação externa se destina ao progresso e desenvolvimento nacionais. Meu objetivo era que os leitores se percebessem como sujeitos e agentes da política externa, individual ou coletivamente.
No período em que estive em São Paulo, lancei um livro, escrevi outro, participei de eventos e debates em diversas cidades, visitei clubes de leitura, fiz novos amigos, conheci pessoas e lugares. Estou satisfeito.
No mês que vem, retorno ao serviço público e a Brasília. Volto à carreira diplomática com o coração feliz e a sensação de missão cumprida. Para evitar dilemas éticos, minha contribuição regular com a Folha de S.Paulo se encerra aqui.
Agradeço muito a todos o apoio que me deram nestes quatro anos.
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