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Protestos contra o aborto devem ser proibidos?

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O polêmico tema do aborto voltou ao debate público no Reino Unido, cinquenta anos depois do procedimento ter sido legalizado no país. E voltou associado a outra discussão muito importante: quais devem ser os limites para as manifestações públicas de grupos de pressão?

Tudo começou porque o tranquilo bairro de Ealing, no oeste de Londres, decidiu na semana passada abrir uma consulta pública para decidir se proíbe ou não vigílias e outras manifestações contra e a favor do aborto na frente de uma clínica médica especializada no procedimento.

Os protestos acontecem há anos, mas a intensidade e a repercussão deles aumentaram muito de uns tempos para cá. Os grupos antiaborto passaram a usar táticas mais duras e chocantes. Segundo a imprensa local, algumas mulheres chegaram a ser fotografadas e filmadas entrando na clínica. Outras teriam sido chamadas de "assassinas". Os grupos negaram as denúncias, mas as autoridades resolveram agir, consultando a população.

O Ealing Council (a administração regional) quer saber se os moradores do bairro concordam em criar uma zona de exclusão ao redor da clínica, onde as manifestações seriam proibidas. No mesmo dia, a ministra do Interior, a conservadora Amber Rudd, talvez inspirada pela decisão de Ealing, resolveu também permitir a participação da população e dos grupos de pressão numa discussão que o governo central faz sobre o mesmo tema. Até então, o debate central era limitado a órgãos oficiais e autoridades.

Crédito: Daniel Leal-Olivas - 21.jan.2018/AFP Manifestantes participam da Marcha das Mulheres em Londres, no último sábado
Manifestantes participam da Marcha das Mulheres em Londres, no último sábado

Por coincidência, moro a exatamente duas quadras da tal clínica de Ealing. Passo quase que diariamente pelo prédio vitoriano, ao lado do bonito Walpole Park. E sempre cruzo com um grupo de pessoas fazendo vigílias contra o aborto. Os números de manifestantes variam, mas eles estão lá rigorosamente todos os dias. Muitos ficam apenas rezando. Outros passam parte do tempo ajoelhados.

Mas alguns passaram a abordar diretamente as pessoas que entram na clínica, levando a críticas de que estariam assediando as mulheres que pretendem abortar. E, de uns tempos para cá, grupos a favor da liberdade de escolha também resolveram comparecer, acirrando ainda mais os ânimos.

Os dois grupos estavam lá no último sábado. Enfrentavam, com determinação, um dia miseravelmente londrino: cinzento, chuvoso e gelado (4 °C). Queriam, certamente, marcar seus espaços durante o processo de consulta. Eram poucas pessoas de cada lado, mas levaram cartazes, faixas e fotos. Lembravam, de certa forma, torcidas organizadas de clubes de futebol.

O grupo pró-escolha estava até uniformizado, com coletes pink que brilhavam num dia de pouca luz. Traziam faixas afirmando que as mulheres têm o direito de escolha e oferecendo apoio moral. Numa delas, pediam diretamente que a população se manifestasse contra as vigílias.

O grupo pró-vida usava táticas mais incisivas. Duas mulheres vestidas de preto se postaram dos dois lados da porta de entrada da clínica com vários terços azuis e rosas nas mãos. Criaram assim um pequeno corredor polonês, por onde qualquer pessoa que entrasse ou saísse da clínica teria ce passar. Elas sempre oferecem os terços para as mulheres que entram no prédio e as chamam de "mamãe". Na calçada da clínica, o grupo colocou várias fotos de fetos em vários momentos da gestação. E uma das faixas informava que existe "ajuda financeira, de moradia e emocional" para as mulheres evitarem o aborto.

O grupo antiaborto nega qualquer tentativa de intimidação e diz que as críticas são exageradas. Segundo eles, estão apenas exercendo seu direito de manifestação num país democrático. Dizem que as mulheres precisam saber que existe ajuda se desistirem do aborto.

Mas suas táticas são vistas como abusivas por muita gente, já que eles abordam as mulheres num momento muito sensível e crucial. Isso num país onde o aborto é perfeitamente legal e feito gratuitamente no sistema público de saúde.

A consulta vai durar algumas semanas e os habitantes do bairro e grupos de pressão poderão manifestar suas opiniões a respeito da questão. A discussão vai ser barulhenta, sem dúvida. Mas também promete ser madura e democrática, com a livre participação de qualquer interessado. Um tipo de debate saudável sobre direitos que deveria acontecer mais em várias outras partes do mundo, inclusive no Brasil.

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