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andré conti

 

03/09/2012 - 03h30

O que o videogame fez comigo

São três horas da manhã e estou num karaokê com amigos, cantando sozinho a música "All Out of Love", do conjunto australiano Air Supply. O bar esvaziou, e meus dois colegas já estão quase dormindo.

"Cantar", no caso, envolve um pequeno desafio rítmico, em que o jogador mexe o botão direcional no controle do PlayStation 3 de acordo com as mudanças de tom na música. Há cerca de uma hora, havíamos trocados as perseguições e a pancadaria de "Sleeping Dogs", excelente título policial lançado há pouco pela Square Enix, pelo karaokê que existe dentro do próprio jogo.

Alpino

Um dos meus amigos desperta repentinamente e anuncia que vai embora, e então desligamos o videogame. Sessenta minutos de Air Supply haviam cobrado seu preço.

Final de 2000, centro de São Paulo. "Majora's Mask", sequência do clássico "The Legend of Zelda: Ocarina of Time", havia sido lançado há pouco nos EUA, para o Nintendo 64. Nossa esperança era encontrar algum vendedor da Santa Ifigênia que já tivesse a fita. Era a segunda ronda ao bairro naquela semana.

Nas lojas, éramos atendidos com duas variações da mesma resposta, as indefectíveis "acabamos de vender o último" e "chega amanhã". Passamos umas boas horas nisso, até perceber que a empreitada havia fracassado outra vez e que estávamos sendo tratados com sadismo.

Depois de meses de espera, sentimos o golpe e compramos uma garrafa de um licor verde hediondo.

Garrafa tomada, resolvemos ir até a única pessoa que poderia ter o jogo àquela altura: meu irmão. Ele já era casado e estava recebendo um amigo em casa. Não sei exatamente em que estado cheguei, mas dias depois tivemos nossa única conversa até hoje sobre comportamento excessivo e os malefícios do álcool numa terça à tarde.

Alguns anos antes, ainda no ginásio. Eu e o mesmo amigo descobrimos que um sujeito da oitava B, cujo apelido era Toxoplasmose, tinha em casa um PC 486, o mais avançado da época. Pouco importava a fama de louco e violento do Toxoplasmose, ou o fato de sermos mais novos, uma barreira normalmente intransponível. Ele tinha "Wolfenstein 3D" e "Doom" instalados no computador, feito inédito entre nossos amigos.

Conseguimos ir até a casa dele, que no caminho foi falando sobre sua coleção de armas brancas, conhecido mau sinal. Mas ele de fato tinha um 486, e, após meses lendo a respeito nas revistas, enfim podíamos jogar os já lendários títulos da ID Software.

Depois de uma meia hora, o Toxoplasmose, que até ali se provava inofensivo, entrou numa discussão com a mãe. Não sei bem em que momento a coisa escalonou, mas de repente ele tinha se escondido debaixo da cama, e ela apareceu no quarto com uma vassoura e começou a arrebentá-lo de porrada.

Olhei para o meu amigo, ele olhou pra mim, olhamos para a porta. No monitor, tínhamos acabado de passar do primeiro episódio de "Wolfenstein". Demos de ombros e seguimos jogando, alheios ao pandemônio. Semanas depois, Toxoplasmose foi expulso do colégio por levar uma corrente de ferro para a aula.

Já tínhamos decidido adquirir nossos primeiros computadores.

andré conti

André Conti, formado em jornalismo, é editor na Companhia das Letras. Sua coluna mistura coisas antigas e jogos velhos com novidades e curiosidades da tecnologia. Escreve às segundas, a cada duas semanas, na versão impressa do caderno "Tec".

 

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