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andré conti

 

07/01/2013 - 03h30

O parente como campo de distorção tecnológica

Nada contra o Natal, mas quando vi a caixa grande e desengonçada debaixo da árvore, temi pela vida. Dava toda pinta de ser um computador ou, na pior das hipóteses, uma impressora.

Tentei descobrir quem era o recipiente. Dependendo da combinação entre apetrecho tecnológico e destinatário, 2012 ainda podia terminar numa nota de tormento.

Não que seja exatamente difícil instalar uma impressora. Com o tempo, o que já foi um processo arcano e esotérico tornou-se algo relativamente simples: instale o driver, espete o cabo, imprima uma daquelas folhas de teste e pronto.

O que me preocupava era o fator humano. Sujeito passou a vida sem uma impressora, batendo na casa do sobrinho para imprimir o que fosse. De repente, não pode passar nem mais um minuto sem uma versão em papel especial daquela foto hedionda que tirou no celular.

E claro que ninguém fica satisfeito com a impressora funcionando. Povo quer saber como instala, para que serve aquele cabo, a hora ideal para encaixar os cartuchos de tinta. Tudo isso sobre o ombro, enquanto você tenta ler as fontes borradas numa resolução de tela incompatível com seu astigmatismo.

E vai explicar que ele não precisava da instalação wi-fi, e que a impressora iria funcionar perfeitamente ligada no cabo. Mas não. É mais fácil sair para comprar um roteador, adaptador de wi-fi, benjamins e extensões. De repente, fui de impressora a uma cirurgia completa.

O que também poderia ser simples, mesmo descontado o fator humano, se o computador em questão pertencesse a este século. Não havia diálogo possível entre o roteador e o Windows 98. E o que a gente ia fazer com aquela parafernália? Uma vez dado o passo, não há recuo possível: íamos comprar um computador novo.

Difícil descrever as horas que seguiram essa decisão. Lembro que estava chovendo e que a gente foi a um hipermercado, mas o restante são flashes do mais absoluto terror, e sei que o sujeito que enfim nos vendeu o PC foi para casa chorar depois.

Não foi culpa minha. Eu queria levar o primeiro PC que vi, e que estava mais que suficiente para os três jogos de pinball, o navegador de internet e a impressora, basicamente todo o uso que se iria fazer daquela máquina.

A cada PC que olhávamos (eram dezenas), as mesmas perguntas: roda o MSN? Checa e-mail? Tem caixa de som? Microfone? Vem com Word? Nem me espanto que acabamos de fato levado o primeiro que vi. Mas fiquei comovido com o esforço e a paciência do vendedor, e prometi que jamais voltaríamos.

E tenho certeza que a expressão "plug and play" foi bolada sem meus familiares em mente. Eles parecem emitir um campo de distorção tecnológica, que torna qualquer operação simples numa busca de cinco horas por soluções no Google. Sei que foi só uma tarde e que nem é nada grave, mas a última vez que me cansei tanto foi subindo o pico do Jaraguá, em 1995.

Fiquei feliz porque logo depois recebi um convite de amizade dele no Facebook. Senti o alvorar de uma nova era digital. Até ler a primeira mensagem: "me ajuda a comprar uma TV?". Bom 2013.

andré conti

André Conti, formado em jornalismo, é editor na Companhia das Letras. Sua coluna mistura coisas antigas e jogos velhos com novidades e curiosidades da tecnologia. Escreve às segundas, a cada duas semanas, na versão impressa do caderno "Tec".

 

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