É cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.
Escreve aos sábados.
Saídas à esquerda
Bem vistos o conjunto dos resultados eleitorais, o quadro não se apresenta de modo a tornar obrigatória uma rendição do governo ao mercado.
No Congresso, há menor presença progressista, mas não ocorreu uma virada conservadora. Baseado em levantamento dos cientistas políticos Fabiano Santos e Júlio Canello ("Carta Capital", 5/11), pode-se dizer que, na Câmara dos Deputados, o campo da direita cresceu 11%, ao passo que o da esquerda perdeu 7%. Continua dominante o centro (embora mais fragmentado).
A representação na Câmara –proporcional– é o melhor indicador da força dos partidos. A escolha de presidente, governadores e senadores depende de coalizões heterogêneas, já o número de deputados expressa o peso relativo de cada corrente no eleitorado.
Em números absolutos, somados a direita e os "pequenos partidos de direita" (divisão dos pesquisadores) ocuparão 167 cadeiras na próxima legislatura, e a esquerda e os "pequenos partidos de esquerda" terão 138. Antes as duas correntes estavam empatadas. A mudança é coerente com o fato de que Dilma teve um mandato difícil, tanto no campo econômico como no julgamento da Ação Penal 470.
Apesar de a balança pender um pouco mais para a direita, na realidade nem uma nem outra posição polar pode ir adiante sem o apoio do centro. De acordo com Santos e Canello, o centro e os pequenos partidos de centro reunirão 208 deputados. Para exemplificar: nem a jornada de 40 horas nem a redução da maioridade penal, bandeiras caras à esquerda e à direita respectivamente, passariam sem forte coalizão com o centro. Como este não deverá se inclinar nem em uma nem em outra direção, é pouco provável que qualquer delas tenha êxito.
Em consequência, é preciso verificar o que pode ser negociado com o centro e estabelecer uma agenda de acordo com a correlação de forças real. Do ângulo da esquerda, a quem cabe a iniciativa, pois ganhou a Presidência e participa do maior bloco no Congresso, seria possível apresentar de imediato proposta que tornasse o Bolsa Família um direito constitucional. Se até o PSDB declarou apoio à medida, é difícil para o PMDB, síndico do bloco de centro, recusar os votos necessários.
Da mesma forma, deve ser viável negociar uma alocação de gastos públicos que favoreça o crescimento, como ficou claro nesta semana pela aprovação unânime, no Senado, do abatimento das dívidas de Estados e municípios.
A decisão mostra o trânsito, entre os partidos, de proposta voltada a permitir a retomada do investimento em locais estrangulados. Em suma, a correlação de forças autoriza pensar em saídas progressistas. Por que não?
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