Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Copa das árvores

Amigo leitor, amigo boleiro, se você busca nesta crônica alguma análise, interpretação ou mesmo uma mísera piada sobre os jogos das quartas de final, sugiro parar por aqui. Não vi os jogos. Não sei os resultados. Desisti. Ou melhor, desistiram por mim. Através das grades da janela do hotel em que me instalaram, a única copa que posso acompanhar é a de um ipê, cujos galhos balançam ao vento contra o céu azul deste pacato domingo. Um ipê-rosa, felizmente, pois, se fosse amarelo, poderia aguçar os pensamentos angustiantes que para cá me trouxeram.

Talvez o Brasil tenha metido 4 a 0 na Colômbia e o país comemore a súbita ignição do nosso escrete. Talvez tenha perdido e a população tenha destruído os estádios a golpes de copão da Budweiser. E a Argentina, a Holanda, a Alemanha? Não sei, não quero saber, mas não tenho raiva de quem sabe. Pelo contrário, estou tranquilo: após três semanas de tormento, me sinto finalmente livre. (Além do isolamento, essas vitaminas que as simpáticas camareiras me trazem, de tempos em tempos, também parecem ajudar).

Estava duro. Se fosse só a seleção brasileira que me fizesse sofrer, até dava pra segurar. (O que são 90 minutos de estresse e tortura psicológica, uma vez por semana, para quem mora em São Paulo?). O inferno, porém, como diria aquele filósofo da terra do Benzema, eram os outros. Ah, como acreditei que o Irã pudesse ganhar da Argentina! Que o México fosse vencer a Holanda! Que a Argélia fosse derrubar a Alemanha! Quando os Estados Unidos caíram diante da Bélgica, caí junto.

Não dá pra viver assim. Duas vezes por dia você se envolve, se apaixona, cria narrativas de redenção e glória, vê Davis, Spartacus e Zumbis —mas eis então que vem a realidade, essa invejosa, e derrama um balde d'água em seus delírios. Você aprende? Não. Acorda no outro dia e aposta todas as fichas no time errado, de novo. E de novo. E de novo. E tem também o álcool, as frituras, os gritos e a vida —essa coisa chata que você precisa tocar na paralela, enquanto lida com a Copa. Chega uma hora em que o cidadão não aguenta: espana.

Não sei exatamente o que eu fiz. Uns dizem que eu insultei um belga, no metrô. Outros, que subi num poste na Aspicuelta e cantei "Aquarela do Brasil" —pelado. Lembro vagamente de escrever uma crônica misturando "Karatê Kid" e Carlos Alberto Torres.

Agora, também, nada disso importa. Importa é descansar, tentar esquecer o Mundial e focar coisas boas, como esse ipê-rosa que balança lentamente lá fora ou a massagem que me oferecerão, em breve: uma massagem com impulsos elétricos, que, dizem, é mais revigorante que um golaço do Neymar. Ou do Messi? Ou do Campbell? Xi, ó lá, vai começar tudo de novo...

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