Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Minha opinião: não tenho opinião

Crédito: Adams Carvalho/Folhapress

Vai ser como uma espécie de vegetarianismo mental. De abstemia intelectual. De castidade verbal. No começo, seremos vistos com estranhamento, como amish ou hare krishnas deslocados no tempo, mas não viveremos em fazendas arando o solo nem bateremos pandeiros, de bata cor de laranja, na esquina da Rebouças com a Brasil. Nossa estranheza, nossa radicalíssima estranheza, será simplesmente não emitir opinião.

A bunda da Anitta em "Vai, Malandra" é uma conquista do empoderamento feminino brasileiro ou mais uma figurinha no vasto álbum do machismo mundial? O Enem pode proibir que jovens defendam teses contra os direitos humanos ou deve permitir em nome da liberdade de expressão? Assistir aos filmes do Woody Allen depois das acusações da filha adotiva é saber separar o homem da obra ou ser conivente com o crime? Comer chia orgânica ou farelo de quinoa é adotar uma dieta saudável valorizando as tradições latino-americanas ou sucumbir à paranoia do evangelismo nutricional dos EUA? Céus. Hoje em dia, sem uma visão crítica, um posicionamento político e um embasamento teórico não é mais possível nem chupar um Chicabon. Ou melhor: não era.

Veremos todos esses assuntos surgindo na mesa do bar, brotando como ervas daninhas no gramado verdejante do WhatsApp, passando por nossas timelines como garrafas PET boiando no córrego sujo das redes sociais e não sentiremos mais a urgência do debate, o comichão da última palavra, a obrigação de sermos os vigilantes da verdade, os patrulheiros do bom senso, os bombeiros da razão. Diremos apenas: "Lamento, eu parei de emitir opinião".

As pessoas reagirão espantadas, levemente irritadas, como quando alguém recusa a carne num churrasco ou a bebida numa festa: "Mas você nunca emite opinião?". "Às vezes, no fim de semana, com a minha mulher ou algum amigo, mas evito". "Você parou de uma vez ou foi diminuindo?". "Diminuindo. Primeiro parei de emitir opinião no Facebook, depois no Twitter até que finalmente, semana passada, cortei também a opinião off-line". "Você não acha que parar de emitir opinião é um comodismo covarde, é deixar que os outros decidam o que é certo e o que é errado num momento importante do debate mundial?". Você vê o textão se estruturando na tela da sua consciência como o cúmulo-nimbo se formando num céu azul, então respira fundo, busca pensamentos prazerosos –a gargalhada dos seus filhos, um mergulho no mar, "Blackbird", dos Beatles: "Desculpa, não posso responder a essa pergunta pois seria emitir uma opinião".

O caminho não será fácil. Muitas opiniões aparecerão condenando os sem opinião –escapistas! Individualistas! Hedonistas!– mas seremos fortes. Aplicaremos a resistência pacífica de um Gandhi, a teimosia revolucionária dos negros norte-americanos na luta pelos direitos civis: contra os sabres argumentativos, as baionetas do sofismo e o napalm da execração pública, ofereceremos nosso zen-mutismo.

O esforço há de valer a pena. Quando o mundo estiver pegando fogo, quando a turma dos pró, dos contra e dos "os pró e os contra não entenderam nada, a questão não é 'sobre isso', é 'sobre aquilo', suas bestas!" estiverem se enfrentando em suas batalhas de Stalingrado cotidianas, nós sorriremos como quem (não) encontrou a verdade e flanaremos incólumes feito Jesus caminhando sobre as águas. Chupando um Chicabon.

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