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barbara gancia

 

07/10/2012 - 03h00

Cinema Sarapatel

DE SÃO PAULO

O Marcelo Coelho falou tão lindamente sobre o filme, que eu não deveria mais perder o seu tempo. Ocorre que sou a única pessoa da cidade a ter encrencado com "Intocáveis". Para falar a verdade, Bucicleide também embucificou em relação ao filme de Eric Toledano e Olivier Nakache, mas essa aí a gente não leva em consideração.

Eu não sei bem o motivo de "Intocáveis" ter despertado tamanha comoção, só sei que estava quieta em casa quando minha irmã ligou para dizer: "Você tem de assistir a 'Intocáveis'!". Depois disso, as pessoas mais díspares, nada a ver uma com a outra, também surgiram do nada para entoar o mantra: "Você precisa ver 'Intocáveis'!". A recomendação veio de um amigo que só gosta de filmes de ação e de outro, intelectual sofisticado. Todos os caminhos convergindo para a mesma cadeira de rodas.

Ilustração Alex Cerveny

Com a Buci, digo, Cleide aconteceu igualzinho: gente sem nenhuma correlação veio sugerir o filme cheia de entusiasmo. Desnecessário dizer que isso bastou para nos pôr na defensiva. Para certo tipo de corva enojada, não se pode elogiar demais que o bico logo torce, sabe?

"Foi a maior bilheteria do cinema francês de todos os tempos", constatei. Bucicleide devolveu: "Como se isso quisesse dizer alguma coisa. Francês, inglês, americano... Virou tudo uma porcaria só". E emendou: "Esse aí deve ser mais um 'feel good movie' na linha daquele inglês, 'Simplesmente Amor'...".

"Intocáveis" é menos melífluo do que isso. Deixei-me envolver por seu humor (o negão "est très sympa") e desfrutei dos momentos de ternura ocasionados pela amizade improvável entre o emarginado e o cadeirante, que não admite ser tratado com compaixão.

Mas não há como não olhar com algum desprezo para um filme que é todo ele embaladinho em renda e belezura. A pobreza adquire plasticidade e brilho, a dor é higienizada, toda a ambientação do filme é de uma beleza retumbante, sujeito dirige uma Maserati, vive no 16eme Arrondissement, tudo parece mais uma viagem "Vanilla Sky" do que um filme, dá um tempo nos meus pacovás. Eu só fui ao cinema, não pedi para "viver uma experiência".

Não existe no filme um mísero espaço para elaboração ou contestação, para exercitar o miolo, não há lugar para dúvida. Sei que não estamos falando de Bergman, Antonioni ou obra-prima, mas em "Intocáveis" a função de filme perde sua razão de ser e se adentra pela via da modalidade "Cinema Sarapatel". Trata-se de uma película em que o espectador não é convidado a ter nenhum tipo de interação inteligente com aquilo que se passa na tela, tudo já vem previamente digerido, discutido e resolvido. O único esforço mental que o cliente precisa empreender é gozar do prazer da experiência cinemática.

Não tem aquela piada do Casseta&Planeta que diz que o baiano é tão preguiçoso que come sarapatel para não ter de se dar ao esforço de digerir a comida? Pois "Intocáveis" é um filme do "Cinema Sarapatel". Aliás, nós vivemos na era sarapatel, estamos virando uma sociedade sarapatel.

Veja: consumir livros tornou-se um fardo, dá muito trabalho. A escolha mais prática fica entre as duas linhas de texto do Twitter ou a primeira frase do post do Facebook, que, por sinal, na semana passada ultrapassou um bilhão de usuários.

Para falar a verdade, eu já estou começando a achar muito penoso o gesto de rolar a barra de texto do mouse para ver o que vem a seguir. Daqui a pouco nem isso, se alguém não me der na boquinha, não quero mais. Prefiro ficar deitada no escuro vendo imagem no Instagram, nhómnhómnhóm...

Alguém duvida que "Intocáveis" vai ser um sucesso na noite do Oscar?

barbara gancia

Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.

 

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