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barbara gancia

 

21/10/2012 - 03h00

Ziggy não vê novela

Como tantas outras pessoas que são loucas por cães, eu também estou convencida de que meu Ziggy Estrepolia sabe falar.

No meio da última frente fria, ele olhou para a cara do passeador que veio buscá-lo, se pôs a tremer com a convicção de um Lawrence Olivier encenando Hamlet, depois olhou para mim, de novo para o passeador, para mim, para o passeador, aqueles olhos alternando ares de mendicância com desvario até que eu fosse impelida a proclamar: "Está certo, Diego, esquece o passeio e deixa esse infeliz dormindo aí, que hoje está muito úmido".

Passemos a San Diego, na Califórnia, a um dia ensolarado de junho último. Vou ver o panda no zoo com o Alexis e, no meio do caminho, paramos para observar os gorilas.

Ficamos ali transfixados diante da dignidade inesperada daqueles brutamontes, um vidro blindado a nos separar da morte por asfixia decorrente de uma bunda gigante e peluda de gorila pressionada sobre a bochecha. Uns 40 minutos mais tarde, o macho alfa começou a me encarar com uma desesperança atroz.

Através da minha íris, encontrou uma fresta para dentro da minha alma e lá foi ele se embrenhar onde não devia. Eu fui ficando comovida, depois constrangida e quando já estava prestes a entrar em pânico, a voz de um californiano boa-praça veio me resgatar.

Ilustração Alex Cerveny

"Sabia que eles assistem a DVDs de cavalos correndo para relaxar?" Cuma? "Antigamente, animais não conseguiam ver TV por conta da baixa resolução", explicou. "Com a HDTV, os cérebros de certos bichos podem processar imagens. Aqui mesmo, em San Diego, há um canal a cabo inteiramente dedicado aos cães, com trilha sonora e imagens geradas 24 horas para eles."

Bacana. Fomos embora ver o panda e não se falou mais sobre isso. Só fui me ligar na Dog TV na semana passada, ao ver a capa da "Superinteressante" a caminho do caixa eletrônico. A revista dizia que o canal está bombando e que um estudo realizado por um biólogo da Universidade do Colorado acaba de subverter a ordem. A ideia de que cães não se reconhecem no espelho e, portanto, não têm consciência da própria existência ficou para trás.

O olhar não é o sentido mais apurado deles e não vale nortear uma avaliação sobre a inteligência deles por meio dessa característica. É como dizer que humanos não enxergam no escuro e que por isso seriam incapazes de amar. Ou algo assim. Bem, você entendeu. O tal biólogo pegou blocos de neve durante cinco invernos com xixi de seu cão e de outros cães e espalhou pela sua casa (imagine como a esposa deve ter adorado!). E notou que seu cão só marcava território nos locais onde havia o olfato do xixi dos outros, nunca do seu. Ou seja, por meio do cheiro, ele tem noção precisa de quem é em relação ao mundo.

Qualquer um que já tenha sentido afeto por um animal sabe que eles têm linguagem e inteligência própria indiscutíveis. Eu pouco me importo se o Ziggy vai ou não ver TV.

Pessoalmente, acho que é a trilha sonora feita sob encomenda que prende a atenção deles, ainda estamos a léguas de uma TV com imagens que cães possam decifrar.

Mas estou convencida de que o Ziggy conversa comigo. Eu percebo o momento exato quando ele lembra de mim e vem me procurar depois de horas entretido com a trilha deixada pelo gambá nas nossas caminhadas, vejo como ele fica atento para ver qual o caminho que eu vou tomar quando subo a av. Oscar Americano, se o da casa da minha irmã ou do hospital veterinário. Eu noto a sua ira na estrada quando eu não paro no Lago Azul a caminho da fazenda, o camarada é cheio de manias... Não chega a ser nenhum panda ou um ser por quem Diane Fossey pudesse comprometer sua existência ou mesmo sua carreira. Mas garanto que é bem mais do que um bicho que anda pela casa sem reconhecer sua imagem no espelho.

barbara gancia

Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.

 

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