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barbara gancia

 

27/01/2013 - 03h00

Livre para ser Paulo Coelho

Tenho esperança de que a tenebrosa de capuz e foice ainda demore um bocado a vir me prestar sua visita oficial. Em todo caso, é bom que seja público e notório que já não existe mais a hipótese de que me colha desprevenida. Caso a Morte resolva dar as caras num futuro não tão remoto (toc, toc, toc!), já separei e guardei no bolso da blusa um papelzinho no qual escrevi o nome de quem eu gostaria que redigisse meu obituário.

Está na cara que irei passar mais tempo esfregando roupa suja nas pedras dos riachos do purgatório, acertando a contabilidade com a prepotência e a falastronice, do que todos os anos juntos que Nelson Mandela camelou em Robben Island. O leitor há de ponderar, contudo, que existe uma diferença marcante entre o desejo de ter um informe só seu para guardar e o ato de ver esse texto publicado para consumo público.

Por puro deslumbramento, atrevo-me a revelar o nome do meu escolhido, que está muito além das minhas possibilidades. É ele, o sociólogo Fernando Antonio Pinheiro.

Desde domingo, não paro de ter orgasmos múltiplos em razão da equilibrada análise sobre como o fenômeno Paulo Coelho é encarado pela "inteligentzia" por ele perpetrada para o caderno "Ilustríssima" deste jornal. Já tinha perdido qualquer esperança de que alguém pudesse tratar Coelho com isenção, e olhe que lá se vão décadas desde a publicação de "O Alquimista".

Ilustração Alex Cerveny

É tanta má-fé em torno do nosso mais vendido que, a essa altura, não imaginava ver o nó desfeito, com elegância, sem apelo emocional e que o estudo viesse bem munido de fatos.
Não é preciso ser Flaubert para mandar bem na sopa de letrinhas, ensina Pinheiro. Pessoa pode se sair bem na cozinha sem ser o Adrià. Eu, por exemplo, frito pastéis. Não sei fazer pato laqueado, não me cobre, mas também não frito nada em óleo diesel. Meu público gosta dos meus pastéis.

No caso de Coelho, existem vários elementos tangíveis para explicar seu sucesso. Eles dizem respeito ao mercado muito mais do que à literatura e isso não é nenhum pecado mortal. Será que Pinheiro toparia escreve um paragrafozinho de obituário para mim antes que meu fígado seja corroído pela dor de cotovelo de gente que nem mesmo entende por que sente inveja de quem não admira? (Na maioria dos casos, a inveja costuma ser um subproduto deturpado da admiração, não? Pois é, comigo não.)

Na mesma livraria coexistem J.K. Rowling e James Joyce. Não é porque admiro Gabriel García Márquez que preciso atear fogo à prateleira dos Zé Mauro de Vasconcellos. Pinheiro explica isso direitinho, preciso do seu telefone urgente.

O que quero dizer é que, numa escala infinitamente reduzida, assisto ao fenômeno Paulo Coelho ocorrendo diante dos olhos há anos. Sempre houve a lamúria: por que a Barbara assina coluna e eu não? Fugida do pré-primário, com nível de alfabetização próximo ao da Sasha, por que ela e não eu, que sou formado na Metodista com mestrado na USP e vários livros publicados?

A "burritzia" tenta se justificar argumentando que Paulo Coelho seria um plagiário, como se seus enredos tivessem obrigatoriamente de ser fidedignos. Até parece que alguém se preocupa em distinguir a mitologia que envolve Jesus e Sidharta de, por exemplo, heróis como Luke Skywalker, Harry Potter, Tintin, os sobrinhos do Capitão ou o Pato Donald.

Em seu estudo, Pinheiro desmonta um por um os bloquinhos de construir do jardim da infância dos rancorosos e reforça a noção expressa por D. H. Lawrence, autor de "O Amante de Lady Chatterley", que orienta o meu "service" desde sempre: "Os melhores livros são aqueles que reafirmam aquilo que já sabemos". É tão simples.

barbara gancia

Barbara Gancia, mito vivo do jornalismo tapuia e torcedora do Santos FC, detesta se envolver em polêmica. E já chegou na idade de ter de recusar alimentos contendo gordura animal.

 

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