É empresário, diretor-presidente da CSN, presidente do conselho de administração e 1º vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças, a
cada duas semanas.
Dose dupla
O país vive um momento muito difícil, e a administração da economia precisa, mais do que nunca, de bom senso e moderação. Dá um enorme desânimo olhar para os dados recentes. Nem quero citar números, porque eles deprimem. A produção industrial está em queda livre, assim como as vendas do comércio, e até a atividade do setor de serviços, que resistia nos últimos anos, perde força. E o crescimento do desemprego assusta.
Existe um certo consenso no país a respeito da necessidade de promover o ajuste fiscal, especialmente cortando gastos correntes. Entre parênteses, é bom fazer duas ressalvas.
A primeira: até agora, o corte vem sendo praticamente todo feito nos investimentos, reduzidos em 37,2% de janeiro a maio no governo federal, enquanto as despesas de custeio caíram apenas 1,9%.
A segunda: os ajustes baseados em aumentos de impostos em geral acabam fracassados, segundo os economistas.
Dito isso e reforçada a ideia de que é preciso insistir no ajuste fiscal, observo que até os mais ortodoxos economistas admitem que está equivocada a imposição do arrocho atual em dose dupla, tanto na área fiscal quanto na monetária.
O nada ortodoxo Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, conselheiro da pré-candidata democrata ao governo dos Estados Unidos, Hillary Clinton, disse na semana passada ao repórter Robinson Borges, do "Valor", que o Brasil precisa de "uma reforma fundamental em seu setor financeiro".
E explicou: "Vocês têm uma das taxas reais de juros mais altas do mundo e não é de surpreender que isso esteja afugentando os investidores. Não surpreende que vocês não consigam crescer".
O arrocho em dose dupla cria um circulo vicioso na economia. Quanto mais as taxas de juros são elevadas, mais a atividade diminui, mais caem as receitas do governo e mais ajuste fiscal é necessário.
Não foi à toa que os Estados Unidos fugiram dessa armadilha no enfrentamento da crise financeira de 2008/2009 e que a União Europeia, mais recentemente, passou a fazer o mesmo: ambos adotaram a austeridade fiscal, mas aliviaram incrivelmente a política monetária, baixando os juros a zero.
Em qualquer lugar do mundo, as taxas de juros são reduzidas quando a economia entra em recessão, com aumento de desemprego e queda da renda dos salários. É o respeito a uma espécie de "lei da gravidade". No Brasil, tudo isso está ocorrendo e os juros continuam sendo elevados –foram para 13,75% no início deste mês, o maior nível em quase nove anos.
E o impacto fiscal dessa elevação é muito alto: cada ponto percentual na taxa básica de juros representa um custo adicional de R$ 30 bilhões por ano na dívida pública.
É nobre o objetivo da elevação dos juros, de combater a inflação, esfriando a demanda. Ocorre que ela já está gelada e a inflação subiu basicamente em razão de reajustes de preços administrados, não de demanda.
A correção dessa distorção certamente exige coragem. Mas ela precisa ser feita, sob pena de comprometer todo o esforço dos últimos 20 anos para trazer 50 milhões de brasileiros para economia de consumo. No ritmo atual, o país corre o risco de tornar insuportáveis os índices de desemprego.
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