Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.
Senado às escuras
Pedro Ladeira/Folhapress | ||
Às escuras, senadoras almoçam na mesa da presidência do Senado, em protesto contra reforma |
BRASÍLIA - Antes de se consagrar como escritor, Machado de Assis deu expediente como jornalista no Senado. Repórter do "Diário do Rio de Janeiro", ele cobria os debates de barões e marqueses sobre os rumos do Império. Suas excelências tinham mandato vitalício e não costumavam perder a fleuma na tribuna.
"O público assistia, admirado e silencioso", anotou o bruxo, na crônica "O Velho Senado". "Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante", prosseguiu.
Faz tempo que o Senado não lembra a tediosa casa de leis frequentada por Machado. Depois que a capital veio para Brasília, houve até assassinato em plenário. Em 1963, o alagoano Arnon de Mello tentou atirar num desafeto e matou o suplente José Kairala, que nada tinha com a contenda.
Nesta terça, a Casa viveu outro dia de ânimos exaltados —felizmente, sem armas. Cinco senadoras da oposição ocuparam a Mesa Diretora, numa tentativa de barrar a votação da reforma trabalhista. Impedido de assumir a cadeira, o presidente Eunício Oliveira mandou cortar os microfones, a transmissão de TV e até a luz do plenário. As rebeladas passaram seis horas no breu, onde devoraram um almoço trazido em quentinhas.
O piquete nem chegou a ser original. No ano passado, a deputada Luiza Erundina ocupou a presidência da Câmara em protesto contra o notório Eduardo Cunha. Mesmo assim, Eunício descreveu o ato como um perigoso atentado à democracia. "Nem a ditadura ousou ocupar o Senado", esbravejou. O regime dos generais fechou o Congresso e prendeu parlamentares, mas esta é outra história.
Encerrado o motim, as luzes se acenderam e o Senado aprovou a reforma trabalhista, que retalha a CLT. Isso não ocorreu porque o governo Temer ainda tenha alguma força, mas porque a maioria ali representa interesses dos empresários, não dos trabalhadores. É o caso de Eunício, cujas firmas de limpeza, transporte e segurança têm contratos de mais de R$ 700 milhões com a União.
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