Jornalista, assina a coluna Brasília. Na Folha, foi correspondente em Londres e editor interino do 'Painel'.
O 18 a 1 da Câmara
Gilmar Félix/Câmara dos Deputados | ||
A deputada Erika Kokay (PT-DF) |
BRASÍLIA - É possível evocar a religião para causar mais sofrimento a uma mulher que foi vítima de estupro? A Câmara mostrou que sim na quarta-feira, ao fazer avançar um texto que proíbe a interrupção da gravidez em casos de violência sexual.
O episódio é um exemplo clássico de contrabando legislativo. Deputados da bancada da Bíblia incluíram um jabuti numa proposta que estendia a licença-maternidade para mães de bebês prematuros.
O texto original tratava de direito trabalhista. O relator, Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), aproveitou para fazer um enxerto em dois artigos da Constituição, estabelecendo que a vida começa na concepção.
Na prática, a mudança pode restringir ainda mais o direito ao aborto no Brasil. Em vigor há mais de seis décadas, o Código Penal autoriza a prática nos casos de estupro ou de risco à vida da gestante.
Em 2012, o Supremo Tribunal Federal abriu uma terceira exceção e permitiu a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos, que não têm chances de sobreviver fora do útero.
O relatório de Mudalen, ligado ao pastor R.R. Soares, foi aprovado numa comissão dominada pelo populismo religioso. No ponto mais baixo da sessão, o deputado Pastor Eurico (PHS-PE) sacudiu um boneco de plástico, representando um feto.
Ele se referiu às hipóteses de aborto previstas em lei como "matança de crianças" e acusou os contrários ao jabuti de defenderem ações "satânicas e diabólicas". Minutos depois, a comissão aprovou a proposta por 18 a 1. O voto contrário foi de Erika Kokay (PT-DF), que era a única deputada presente.
Na sexta-feira, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a proibição do aborto em caso de estupro não será aprovada no plenário. Melhor assim, mas faltou dizer que foi ele quem permitiu que o tema avançasse. O deputado criou a comissão do jabuti em dezembro passado, a pedido de seus aliados na bancada evangélica.
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