É doutor em sociologia pela Universidade de Oxford, com tese sobre as desigualdades sociais após o colapso de regimes socialistas no Leste Europeu. Escreve às segundas.
#VaiTerFuga
Muito do que aconteceu na semana passada foi teatro. O governo Dilma provavelmente acabou na reunião do PMDB de sábado retrasado (12), em que o rompimento só não foi anunciado porque o PMDB é incapaz de dizer algo com clareza. Imagino que isso os ajude em grampos telefônicos.
Mas o drama "Lula ministro" deve ter consequências para o ritmo de desenlace da crise, e sobre quem sairá dela vencedor. Foi uma semana perfeita para os corruptos não-petistas.
Alguns meses atrás, a nomeação de Lula poderia ter dado certo. Talvez Lula conseguisse recompor a aliança com o PMDB, se lhes oferecesse algum tipo de acordo que enfraquecesse a Lava Jato. Lula poderia ter trazido o apoio do PT à política econômica de Levy/Barbosa, o que teria facilitado imensamente a vida de Dilma Rousseff. E, se Lula fosse um sucesso, a oposição perderia o interesse em jogar contra Dilma sua única carta com base legal, o processo no TSE: afinal, com Lula forte, ninguém mais teria interesse em convocar novas eleições.
Mas, a esta altura, o jogo já está jogado. Lula ainda acha que pode negociar um acordo com o PMDB. É provável que esteja errado. Os pemedebistas, muito mais experientes nesse jogo, sabem que às vezes é preciso jogar alguém para o linchamento enquanto se foge. Lula ainda não notou, mas esse alguém será ele.
Se minha interpretação estiver correta, a nomeação de Lula semana passada foi uma imensa ajuda aos corruptos em fuga: Lula é muito melhor para o linchamento do que Dilma, por ser uma figura histórica maior. A nomeação reforçou a versão de que o inimigo da Lava Jato é o PT, e os gestos de Sergio Moro, muito ruins, reforçaram essa impressão.
Se essa história for aceita por todos, a Lava Jato parecerá guerra vencida quando o PT cair. E as irregularidades na ação de Moro facilitarão que os acusados não-petistas se defendam quando o julgamento voltar a ser feito em tribunais, não na opinião pública.
Enfim, tanto Dilma quanto Sergio Moro deram aos picaretas de sempre o que eles queriam: a chance de fugir da polícia misturados aos manifestantes do "Fora Dilma".
Para completar a semana, Aécio Neves foi abatido em pleno voo pela delação de Delcídio. Aécio foi o melhor candidato que o PSDB conseguiu produzir desde FHC. Sem um candidato forte, o PSDB deixa de preferir a cassação pelo TSE, que resultaria em novas eleições, ao impeachment conduzido por Eduardo Cunha no congresso.
No Datafolha de sábado (19), feito com Lula já ministro e Aécio já delatado, Marina Silva assumiu a liderança. Não acho que o establishment político brasileiro confie em Marina Silva (zero citações nas delações até agora) para conduzir o acordo que lhe interessa. Nesse quadro, nenhuma das principais forças oposicionistas prefere novas eleições.
Somados interesse eleitoral de alguns e medo da polícia de outros (ou dos mesmos), a maioria parlamentar pelo impeachment parece cada vez mais provável.
Estive na passeata de sexta (18) no Rio. Como a de domingo (13), foi uma bela demonstração de vitalidade democrática e entusiasmo cidadão. É uma pena que a falta de diálogo entre elas faça com que a resultante da disputa seja uma negociação entre picaretas para saber quem será deixado para trás durante a fuga.
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