Claudia Tajes

Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de "Macha".

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Claudia Tajes

Sofrência 2019

Trilha sonora para um ano de rimas pobres

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Ilustração coluna Claudia Tajes 11.11
Cynthia Bonacossa

Sofrência, neologismo da língua portuguesa —esse tesouro que nunca para de se enriquecer com novas palavras.

Consta que surgiu pela primeira vez em 1969, numa música dos Originais do Samba: “Só mesmo a palavra sofrência/ em dicionário não tem/ mistura de dor, paciência/ que é riso, que é canto também”. Salto no tempo e agora a sofrência ganhou um significado mais óbvio, sofrimento com carência. É muita tristeza em tão poucas sílabas.

Sofrência, gênero musical brasileiro, mistura de sertanejo com brega para descrever amores unilaterais, dor de cotovelo e de corno, pé na bunda, ciúme, decepção, desilusão. Nada que um tão ansiado quanto impossível rala e rola não pudesse resolver, o que nossos ouvidos ficam sabendo em maior ou menor quantidade de decibéis, dependendo do alcance vocal de quem interpreta.

Sofrência, a trilha sonora ideal para o Brasil de 2019. Se tudo o que a gente passou virasse música, seria a canção mais sem graça de todas. Ninguém vai sofrer sozinho, todo mundo vai sofrer, diz o refrão de um sucesso da sofrência. Melhor incluir esses versos nos livros de história. Eles resumem bem a situação. E se quiser cantar a letra abaixo, a sugestão é gritar tanto quanto um cantor sertanejo. 

Gritar muito. Alto mesmo. Vai que alguém nos escute.

Quando eu vi você, tão desajeitado/ Tão pouco à vontade, todo amarfanhado/ Deus dentro do peito, a prole ao lado/ Às vezes xingando, nas outras calado/ Brilhou uma luz no meu coração/ Eu logo entendi, é a salvação/ Acima de tudo, a minha nação/ O fim da balbúrdia e da corrupção

Por você briguei, rompi com o vizinho/ Bloqueei mulher, cachorro, passarinho/ Excluí cunhada, filho e padrinho/ Ao Show da Virada eu assisti sozinho/ Que sonho de país, coisa linda de se ver/ Você triunfar, a família vencer/ Toda putaria desaparecer

Ao meu três-oitão, a glória e o poder/ Verdade que o PIB vai ser acanhado/ Será raridade ver um aposentado/ Eu mesmo já fui terceirizado/ E os comunistas me chamam de gado

Agora inventaram esse lance de robô/ E não é que logo a Joice é o pivô?/ A inveja é a arma do pecador/ Eu sigo respondendo que Deus é amor/ A fé tudo move, mas às vezes embaça/ Você pra mim foi graça ou desgraça?/ Nessas horas, minha filha —só por pirraça/ Me abraça e diz assim: faz arminha que passa.

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