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cláudia collucci

 

12/12/2012 - 03h00

O abandono dos inférteis

O que catástrofes como enchentes e terremotos e tratamentos estéticos têm a ver com infertilidade? Para a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), tudo. A agência coloca todas essas situações no mesmo rol de procedimentos que os planos de saúde estão desobrigados de cobrir.

A razão pela qual a infertilidade, uma doença que figura, inclusive, no CID (Código Internacional de Doenças), foi colocada nesse pacote, ninguém sabe. Mas suspeita-se: custo, é claro.

Embora existam tratamentos de reprodução menos complexos, as operadoras de saúde fogem mesmo é dos ciclos de fertilizações in vitro (FIV), que custam nas clínicas privadas entre R$ 10 mil e R$ 20 mil.

Então, é mais fácil ignorar os cerca de 2 milhões de casais brasileiros que apresentam problemas de infertilidade. No mundo são 80 milhões, segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Diferentemente de outros grupos de pacientes que põem a boca no trombone quando se veem alijados dos seus direitos, o paciente infértil é passivo, praticamente invisível.

Por uma série de razões culturais, a infertilidade é um tabu, talvez ainda maior do que o câncer. O paciente infértil evita se expor e, invariavelmente, sofre calado. Muitas vezes, nem mesmo a família e os amigos mais próximos sabem da sua condição.

Quando questionados sobre filhos, logo desconversam com as habituais respostas: "ainda está cedo", "queremos aproveitar mais o casamento", "o planeta já tem muita gente, pra que colocar mais?" e assim por diante.

PODER PÚBLICO

O poder público também é omisso sobre o tema, embora o direito à reprodução esteja garantido na Constituição. Em 2005, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral à Reprodução Assistida, que logo foi suspensa.

No site do ministério consta que cinco centros fazem reprodução assistida no SUS, mas, na prática, as chances de se conseguir o tratamento são as mesmas de ganhar na Mega-Sena.

No Hospital Pérola Byington, referência na área e uma das raras instituições públicas que oferecem tratamento de infertilidade totalmente gratuito (é subsidiado pelo governo paulista), a fila de espera chega a cinco anos.

Na última década, o HC de São Paulo já fez dois ensaios para oferecer serviço parecido ao do Pérola, mas ainda está anos-luz de ofertar o que prometeu em 2003, a realização de 40 ciclos mensais de FIV.

Mais de R$ 4 milhões já foram investidos no centro de reprodução e, pelo que parece, continua com mais vocação para pesquisa do que para assistência.

Lutar pelos direitos da mulher infértil, que deseja ter filhos, também nunca foi uma bandeira do movimento feminista. É como se os direitos sexuais e reprodutivos se resumissem à contracepção e ao aborto.

Talvez o trabalho do movimento de mulheres de desconstruir a maternidade como único destino feminino tenha levado esses grupos a se omitir sobre o tema, o que é uma grande pena.

As clínicas privadas de reprodução assistida, por sua vez, vão bem, obrigada. Não faltam casais dispostos a pagar qualquer preço para ter o seu bebê no berço. Muitos vendem carro, imóveis, fazem empréstimo para bancar os incertos tratamentos.

Os bons trabalhos científicos apontam que as chances de gravidez são, em média, de 30% (podendo as taxas serem um pouco maiores para mulheres abaixo dos 35 anos e bem menores para as com mais de 40).

Nesse cenário, perdem todos, inclusive o país por deixar a prática sem regulação, à mercê dos interesses exclusivamente privados. O Brasil deveria tomar algumas lições sobre como encaminhar o tema. Países com sistemas universais de saúde, com a Inglaterra e a França, há muito tempo oferecem tratamentos de infertilidade.

Recentemente, a Inglaterra concluiu, inclusive, que é melhor bancar mais ciclos de fertilização in vitro (tendo como garantia de que será transferido apenas um embrião para o útero da mulher) do que arcar com os altos custos de uma UTI neonatal para abrir os prematuros das gestações múltiplas.

PLANOS

A legislação que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde (de 1998) prevê, expressamente, a possibilidade de exclusão de tratamentos como a inseminação artificial.

Ao mesmo tempo, a lei --que foi alterada em 2009-- estabelece ser obrigatória a cobertura pelos planos de saúde no que diz respeito ao planejamento familiar.

Mas, no mesmo ano, a ANS editou uma resolução (nº 192/2009), na qual apontou expressamente em seu artigo 1º, § 2º que: "A inseminação artificial e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar, não são de cobertura obrigatória (...) e não estão incluídos na abrangência desta Resolução".

Ainda assim, há muita margem para fundamentar discussões judiciais, especialmente porque a resolução da ANS tem alcance limitado, não pode contrariar texto de lei.

A Lei 9.263/96, considera como planejamento familiar "() o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal".

Nesse contexto, a noção de planejamento familiar inclui não apenas os métodos de contracepção, como laqueadura das trompas e vasectomia, mas também os de concepção, como a fertilização.

No último sábado, participei de um simpósio em São Paulo, organizado pelo médico Newton Busso, da Santa Casa, que discutiu, entre outras questões, formas de ampliar o acesso aos tratamentos reprodutivos. Algumas novas frentes parecem se abrir a partir do próximo ano.

Entre elas, um projeto de lei do médico e deputado federal Eleuzes Paiva (PSD-SP), que vai propor a supressão do veto sumário da ANS aos tratamentos de reprodução. A partir disso, será possível discutir a possibilidade de os planos cobrirem o procedimento.

Outra ideia é aprender como usar as redes sociais para mobilizar interessados na causa a buscar seus direitos, como fez a Oncoguia em torno da quimioterapia oral, por exemplo. Mas isso já é tema para outra coluna. E vocês, o que pensam sobre isso?

cláudia collucci

Cláudia Collucci é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde. É autora dos livros 'Quero ser mãe' e 'Por que a gravidez não vem?" e coautora de 'Experimentos e Experimentações'. Escreve às terças.

 

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