Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Até vacina homeopática integra rol de absurdos e boatos sobre febre amarela

Crédito: Divulgação Disque Denúncia do RJ faz campanha contra maus-tratos a macacos
Disque Denúncia do RJ faz campanha contra maus-tratos a macacos

"Nós temos a vacina da febre amarela, baseado na homeopatia e biorressonância, com eficácia ainda maior do que a vacina e o melhor, sem efeitos colaterais".

A mensagem acima foi enviada nesta segunda (29) pelo médico homeopata Clement Hjian, de São Paulo, a um grupo de pacientes. Um deles copiou a redação. Procurado pela Folha, o médico disse que "não se trata de uma simples vacina, com fórmula final pronta".

"Absolutamente não. Trata-se sim de uma análise personalizada para avaliar quais deficiências imunes e orgânicas estão presentes e como corrigi-las através da homeopatia", afirmou.

Segundo ele, "graças a uma metodologia combinada de avaliação clínica e laboratorial é possível ter muito mais segurança e sem efeitos colaterais, promover a resposta imune para que a pessoa tenha condições de se defender contra a virose".

"Em muitos casos, em que simplesmente a pessoa toma a vacina comum, sem avaliar se por exemplo poderá ter reação vacinal, juntamente com alguma deficiência orgânica, a evolução pode ser muito negativa e até mesmo fatal."

Ele explica ainda que "a metodologia peca por não ter a mesma velocidade de aplicação da vacina convencional". "Mas justamente porque é feita a avaliação e a administração personalizada das correções para a resposta contra a febre amarela, a segurança acaba sendo maior."

Não há nenhuma evidência científica sobre supostos benefícios do tratamento. A homeopatia já foi banida da saúde pública de países como Inglaterra e Austrália, mas no Brasil a especialidade é reconhecida pela AMB (Associação Médica Brasileira) e está no SUS.

Na primeira conversa, por telefone, Hjian disse que preferiria que a matéria não fosse publicada. "Você vai me jogar na fogueira", afirmou. Por fim, argumentou que a mensagem foi dirigida a um grupo restrito de pacientes e que recomenda a vacinação oficial caso eles pretendam viajar para áreas de risco. "[A vacina homeopática] é um paliativo, um reforço complementar à vacina da febre amarela", disse.

Segundo o infectologista Marcos Boulos, conselheiro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), será instaurada uma sindicância para apurar a conduta do médico.

BOATOS

A "vacina homeopática" vem a se somar a outros tantos absurdos que têm surgido com o avanço dos casos e mortes de febre amarela. Inúmeros boatos em forma de áudios apócrifos inundam as redes sociais. Há os que culpam o macaco pela transmissão do vírus, outros que dizem que a vacina "paralisa" o fígado e não deve ser tomada e tem até o boato de que uma suposta enfermeira de BH alegou que a febre amarela é uma "invenção" do governo.

A combinação de boatos, ignorância e oportunismo pode ser catastrófica em ações de saúde. A atual matança de macacos no Rio de Janeiro, iniciada tão logo o Estado começou a confirmar os primeiros casos da doença, é uma prova disso.

Só no Estado do Rio de Janeiro, mais de 130 macacos foram encontrados mortos desde o início do ano, 70% deles vítimas de agressões, como pedradas, pauladas, queimaduras e envenenamento causado por ingestão de chumbinho disfarçado em bananas. Além dos bugios, há saguis, macacos-pregos e até micos-leões-dourados (espécie ameaçada de extinção) na lista do massacre. Famílias inteiras de primatas já foram mortas. Algumas fêmeas foram mortas ainda carregando filhotes no útero.

Macacos não transmitem a febre amarela, eles são tão vítimas quanto nós. Os transmissores do vírus são os mosquitos (Haemagogus e o Sabethes, por enquanto). Ao matar primatas, os algozes atrapalham o monitoramento da doença, já que os macacos são sentinelas da febre amarela. O adoecimento e morte deles servem de indicador para que os agentes de saúde iniciem campanhas e vacinação de bloqueio para evitar que a doença se espalhe.

No Rio, as equipes de vigilância dizem que estão saindo mais para recolher animais assassinados do que para seguir o rastro do vírus e impedir que mais humanos se infectem. E não é por falta de aviso. Desde o ano passado ocorrem campanhas locais para esclarecer a população de que nada adianta matar macacos. Mas isso não tem sido suficiente, como mostram os números do governo do Rio.

É preciso virar esse jogo rápido. No caso dos macacos, fazer valer a lei nº 9.605/98 que considera crime ambiental matar animais e prevê pena de até um ano de prisão e multa. Talvez mexendo no bolso e na liberdade de ir e vir, as pessoas pensem duas vezes antes de sair espalhando boatos ou praticando atrocidades.

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