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clóvis rossi

 

21/03/2013 - 03h00

Obama e o réquiem para a paz

A visita que o presidente Barack Obama iniciou ontem a Israel parece a missa de réquiem para o processo de paz com os palestinos, moribundo faz tempo.

É o que o próprio Obama ouvirá diretamente da boca de seu anfitrião seguinte, o rei Abdulllah da Jordânia, que não esconde seu receio de que a solução dos dois Estados -- Israel e Palestina-- "talvez já tenha ficado para trás".

Os fatos dão razão ao rei.

Comecemos pela simbólica visita de Obama ao Museu de Israel para ver os "Manuscritos do Mar Morto", assim definidos por Ben Rhodes, um dos conselheiros de segurança nacional do presidente: "São um testemunho da antiga conexão dos judeus com [a terra] de Israel".

Até aí, nada de muito emocionante. O réquiem começa quando se sabe que sucessivos governos israelenses defenderam da boca para fora dividir a terra de Israel com os palestinos (a fórmula dos dois Estados), embora, na prática, fizessem o diabo para inviabilizar o Estado palestino.

O novo governo israelense instalado nem mais da boca para fora aceita dividir a terra, ainda que seu chefe a tenha reafirmado ontem.

Escreve, por exemplo, Aluf Benn, diretor do jornal "Haaretz": "O governo Netanyahu tem um objetivo claro: expandir os assentamentos e alcançar 1 milhão de judeus vivendo em Judeia e Samaria [como os judeus se referem à Cisjordânia]. Esse número mágico arrasa com a divisão do território e evita para sempre que se estabeleça um Estado palestino".

Hoje, os colonos judeus vivendo em territórios palestinos são 500 mil. Logo, desmantelar os assentamentos é condição essencial para reiniciar negociações com vistas à solução dos dois Estados. Se, em vez de desmontá-los, o governo ampliá-los, não haverá lugar para dois Estados.

Ainda mais que um dos partidos que integra o novo governo ("Casa Judaica") tem como programa anexar 60% da Cisjordânia. Pode ser feito sem prejudicar a natureza judaica e democrática de Israel, assegura o agora ministro de Habitação e Construção, Uri Ariel.

O rei Abdullah discorda do ministro. Diz que, sem dois Estados, Israel terá que escolher entre "apartheid e democracia".

Por quê? Simples: em Israel, na Cisjordânia e na faixa de Gaza, vivem 6 milhões de árabes e 5,8 milhões de judeus.

Se não houver um Estado palestino para abrigar essa metade, ou Israel joga os palestinos no mar (como boa parte dos israelenses suspeita que os árabes querem fazer com os judeus) ou terá que segregá-los para manter a característica de Estado judeu. O rei Abdullah diz que Israel se transformaria em uma África do Sul do século 21, "e não poderia sobreviver como Estado pária".

Talvez por isso, o presidente Shimon Peres disse ontem, ao receber Obama, que não há "solução melhor ou mais alcançável" do que a dos dois Estados. Mas, como Peres hoje é figura decorativa, entende-se o desabafo de Hafez Barghouti, editor do jornal oficial da Autoridade Palestina (que, aliás, Obama visitará hoje): "O vento levou o projeto de libertação nacional palestino".

Não é um epitáfio?

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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