É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Quando o Irã tem razão
Não é fácil confiar no regime iraniano, por ser uma ditadura e, ainda por cima, teocrática. Para reforçar a desconfiança, basta dar uma olhadinha no noticiário da Press TV, uma espécie de CNN iraniana.
Ontem, por exemplo, havia um artigo não assinado que dizia que a expressão "comunidade internacional quer dizer promoção do sionismo". Paranoia demais para o meu gosto.
O diabo é que, no caso das negociações entre a "comunidade internacional" e o Irã em torno do programa nuclear iraniano, são os iranianos que têm razão.
Rejeitaram, no fim de semana, um acordo que parecia iminente porque se recusaram a aceitar o total desmantelamento de seu programa nuclear (exigência, esta verdadeira, de Israel).
Vamos combinar que o Irã tem tanto direito a enriquecer urânio, para finalidades civis, como a "comunidade internacional" tem todo o direito de desconfiar que o objetivo final dos iranianos é a bomba.
Só parece haver uma fórmula para conciliar ambas as desconfianças: supervisão internacional para certificar que o programa é de fato para finalidades civis.
O Irã até deu um passo importante nessa direção, ao assinar ontem com a Agência Internacional de Energia Atômica um acordo para inspeção de suas instalações nucleares. Incluiu no pacote o reator de água pesada de Arak, que permite usar o plutônio para chegar à bomba, passando ao largo das restrições ao enriquecimento de urânio que obrigatoriamente terá que constar do acordo com a tal comunidade internacional (na verdade, EUA, Alemanha, Reino Unido, França, China e Rússia, o P5+1 do jargão diplomático-jornalístico.
A França, por exemplo, recusou o acordo que estava sendo costurado no sábado exatamente pela omissão em relação a Arak.
Mesmo que se queira continuar achando que o regime iraniano mente as 24 horas do dia e está negociando um acordo apenas para se livrar das sanções que machucam sua economia (e seus cidadãos), ainda assim um acordo imperfeito é melhor do que nada, nas circunstâncias.
Foi o que deixou claro o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ao afirmar no sábado que, "enquanto um acordo não é fechado, o Irã continuará a enriquecer urânio e a instalar novas centrífugas [para o enriquecimento]".
Fica claro, pois, que, se um acordo pode não impedir o Irã de perseguir a bomba, sem ele é certo que a busca continuará diuturnamente.
É mais lógico dar uma chance ao acordo, mesmo que não seja o ideal, do que continuar a colocar o Irã contra a parede, por meio de sanções e a ameaça de um ataque militar. Até porque nem sanções nem ameaças impediram, até agora, que o programa nuclear avançasse.
E ainda pode haver um bônus em um acordo, a julgar pelo que diz o ministro iraniano do Exterior, Javad Zarif, ao sítio Al-Monitor: "Se resolvermos a questão nuclear, se pavimentaria o caminho para a resolução de outros assuntos".
É razoável supor que ele se refere ao conflito na Síria, uma catástrofe humanitária sem precedentes.
crossi@uol.com.br
Livraria da Folha
- Coleção "Cinema Policial" reúne quatro filmes de grandes diretores
- Sociólogo discute transformações do século 21 em "A Era do Imprevisto"
- Livro de escritora russa compila contos de fada assustadores; leia trecho
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade