É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O chiclé de bola e a democracia
Na minha primeira viagem a Cuba, quando a ilha ainda era proibida para brasileiros, chamou-me a atenção um detalhe aparentemente irrelevante: a quantidade de crianças e jovens cubanos que, ao me identificarem como turista, me pediam chiclé de bola.
Estamos falando de 1977, 15 anos depois de os EUA terem tornado geral e irrestrito o bloqueio à ilha.
Como era possível que jovens nascidos nesse período de restrição (e de furibunda propaganda anti-EUA) mantivessem o apego a um elemento cultural-consumista do "império"? De suas cabecinhas deveria ter sido extirpado qualquer vestígio de qualquer coisa que remetesse ao "império". No entanto, pediam obstinadamente chiclé de bola.
É esse insignificante detalhe que me faz concordar com Marco Aurélio Garcia, o assessor internacional do Planalto, quando ele prevê que "a abertura econômica terá influência no tecido político e social inevitavelmente".
Se, com contatos inexistentes com os Estados Unidos, persistia a atração por um de seus produtos, é fácil supor que, com a normalização das relações agora encetada, a atração se tornará ainda mais intensa.
Ou, posto de outra forma, é razoável supor que o tímido ensaio de reforma da economia cubana lançado por Raúl Castro ganhará vigor e velocidade.
Cuba tende a caminhar mais rapidamente para algo parecido ao modelo chinês ou vietnamita, em que o partido único controla todos os botões institucionais e políticos, mas o setor privado vai se tornando majoritário na economia.
É o que imagina, por exemplo, Moisés Naím, ex-colunista da Folha e pesquisador do instituto Carnegie: "É improvável que Cuba embarque em uma abertura política em qualquer momento próximo, a menos que o presente regime imploda subitamente".
Mas, a longo prazo, prossegue Naím, "será difícil para o regime de Castro manter um sistema político rigidamente controlado se permitir mais liberdade de comunicação, viagens, comércio e investimento", escreve ele para "The Atlantic".
É a aposta que o presidente Barack Obama mais ou menos explicitou ao anunciar a normalização das relações diplomáticas.
Equivale a acreditar que a atração pelo chiclé de bola (e outros gadgets muito mais valiosos) se transmitirá ao sistema político, despertando (ou fortalecendo) o anseio pela democracia.
O "New York Times" também acredita nessa hipótese, ao escrever que, com a normalização, "o apoio americano à sociedade civil cubana e aos dissidentes tende a se tornar mais eficaz".
Mas o "NYT" ressalva que essa eficácia depende de os países da América Latina pararem de tratar Cuba como vítima dos Estados Unidos.
Com ele coincide Héctor Schamis (Georgetown University) que, em artigo para "El País", diz que "a narrativa antiamericana talvez tenha chegado ao fim. Para a América Latina toda, entre as muitas interrogações e desafios deste novo capítulo, está também o de encontrar uma nova história para contar, uma nova utopia".
O Brasil está preparado para isso?
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