É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O mundo de Dilma é pequeno
O discurso de posse de Dilma Rousseff dedica esquálidos quatro parágrafos à política internacional de seu governo.
É a confirmação de que a presidente não tem o mais leve interesse pelo tema.
Não seria de todo errado, se o mundo decidisse parar para esperar que o Brasil tome jeito e volte a tentar mostrar presença no confuso planeta que nos toca viver.
Além da indiferença em relação ao assunto, Dilma ainda se limita a repetir prioridades, o que seria uma positiva demonstração de coerência se não tivessem mudado as circunstâncias, o que, naturalmente, exigiria troca também de prioridades.
Dilma repetiu que o Brasil continuará apostando, por exemplo, no Mercosul e nos Brics. Foi uma boa ideia lá atrás, mas, agora, ambos mais atrapalham do que ajudam.
O Mercosul está em estado catatônico já faz um bom tempo, mesmo quando a economia brasileira era mais vigorosa.
Agora que ela patina, não faz muito sentido escorar-se em países que estão oficialmente em recessão, caso de Argentina e Venezuela, os dois principais países do bloco, fora o próprio Brasil.
Para fazer sentido, o Mercosul teria de trabalhar na coordenação de políticas macroeconômicas, uma tese que o então ministro Luiz Fernando Furlan defendeu vigorosa e inutilmente nos tempos de Lula.
Com as políticas cambiais e com a inflação dos dois vizinhos, mostrar-se ao lado deles não é exatamente o que agrada aos investidores –e foi para agradá-los que Dilma escolheu Joaquim Levy para os ajustes na economia.
Passemos aos Brics. Nunca foi um grupo que de fato coordenasse suas políticas, a não ser para ações puramente corporativas, como criar um banco de desenvolvimento. Banco, aliás, que vai devagar, quase parando: só no dia 29 de dezembro é que o projeto foi enviado ao Congresso brasileiro, embora o acordo tivesse sido alcançado em julho.
Mais: quando foi criado, os Brics eram um grupo de estrelas emergentes e, em sendo assim, convinha escorar-se nos parceiros.
Hoje, o brilho está opacado. Aliás a Rússia, um dos Brics, está metida em uma crise da qual seus dirigentes admitem que não sairão antes de dois anos.
Além disso, brincar com a Rússia (e com a China) contradiz totalmente a afirmação do discurso de posse de que a "inserção soberana [do Brasil] na política internacional continuará sendo marcada pela defesa da democracia".
Se é para pautar-se pela democracia, o melhor que o Brasil tem a fazer é dar consequência ao que a própria Dilma combinou com Joe Biden, o vice-presidente norte-americano: "Trabalhar em parceria igualitária para desenvolver uma robusta e ambiciosa agenda para renovada cooperação bilateral, regional e global".
Ou, posto de outra forma, a diplomacia brasileira não pode continuar pretendendo ficar em cima do muro nas grandes questões internacionais.
Precisa escolher lado –e o único lado em que a democracia é defendida é o do Ocidente, por muito que escorregue muitas vezes. Não há parceiros perfeitos, mas alguns são mais imperfeitos que outros.
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