É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Brasil, silêncio e papel de bobo
A opção pelo silêncio implantada no Itamaraty desde que Celso Amorim deixou o comando da casa, faz quatro anos, está levando a diplomacia brasileira a fazer papel de bobo.
Refiro-me especificamente ao encontro de segunda-feira (9) entre o chanceler Mauro Vieira e seus colegas do Equador, Ricardo Patiño, e da Venezuela, Delcy Rodríguez.
A versão que o silêncio do Brasil permitiu emplacar na mídia é a de que a reunião se destinava a utilizar a Unasul (União de Nações Sul-americanas) como ponte para o estabelecimento do diálogo entre os Estados Unidos e a Venezuela.
Pura tolice. Se Cuba, que não tem relações com Washington faz 60 anos, encontrou o caminho para negociar secretamente com Washington, não há razão para acreditar que a Venezuela não possa fazer o mesmo por conta própria.
Quer dizer, há uma razão, pirotécnica: a Venezuela precisa manter acesa a chama de bastião contra o imperialismo, por motivos de coesão interna do regime.
Mas o Brasil não precisa ser ator coadjuvante nessa patacoada.
Se o diálogo desejado fosse para normalizar as relações Venezuela/EUA, a reunião do dia 9 faria algum sentido. Mas, pela versão que prevaleceu na mídia, fornecida pelo chanceler equatoriano, o que se pretende com a mediação da Unasul é fazer os EUA desistirem de conspirar contra a Venezuela chavista.
Outra tolice. A grande conspiração contra a Venezuela está sendo feita pelo próprio chavismo. Hugo Chávez, primeiro, e Nicolás Maduro, em seguida, semearam a maior inflação do hemisfério Sul, uma baita recessão, um desabastecimento amplo e um recorde mundial de assassinatos por 100 mil habitantes, atrás apenas de Honduras.
Pior: está se desfazendo uma conquista dos primeiros anos de Chávez, como foi a redução da pobreza. O Instituto Nacional de Estatística informa que, no segundo semestre de 2013, 1,8 milhão de pessoas entraram na lista dos pobres.
E uma pesquisa do instituto Datanálisis diz que a classe E, a fatia mais pobre, aumentou de 40,8% em 1999 (ano da ascensão de Chávez) para 43,4% em 2014.
Esse retrato negro da Venezuela não é culpa dos EUA, mas da colossal incompetência do regime.
Por isso, o chanceler Mauro Vieira arrisca-se ao ridículo se comprou, na reunião com seus pares, a tese de "guerra econômica" esgrimida pelas autoridades venezuelanas para justificar seu fracasso.
Ainda mais agora que vazaram dados sobre o esquema de lavagem de dinheiro em uma agência do HSBC na Suíça. Sabe qual é o país que ficou em terceiro lugar no ranking de depósitos? Sim, a Venezuela do "socialismo do século 21".
E não são particulares, mas contas do próprio Estado venezuelano, no valor total de US$ 12 bilhões.
Quando um Estado decide entrar em um esquema em que aparecem sonegadores de impostos, narcotraficantes e até terroristas, qualquer suspeita sobre seus principais dirigentes é validada.
Defender essa Venezuela seria fazer papel de bobo. Cabe, pois, ao chanceler explicar o que de fato aconteceu no encontro do dia 9.
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