É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Tragédia grega contagiará a Europa
O "austericídio" imposto à Grécia pelas instituições europeias e pelo Fundo Monetário Internacional causou uma formidável tragédia. O PIB (Produto Interno Bruto), por exemplo, recuou 27% entre 2009 e 2014, um desastre que, usualmente, só é visto em países em guerra ou que sofrem alguma grande catástrofe natural.
E o número de suicídios, no período, aumentou 35%.
Não faz, portanto, o menor sentido pretender, como o fazem a Europa e o FMI, estender no tempo a austeridade devastadora, só para não dar o braço a torcer a um grupo de esquerda (o Syriza ou Coligação de Esquerda Radical), que não joga o jogo que se tornou hegemônico na Europa e no resto do mundo (vide o caso do PT brasileiro).
Faz menos sentido ainda quando se considera que a tragédia grega acabará se refletindo na Europa, embora com danos menos impactantes.
Um só exemplo: o Ifo (Instituto de Pesquisas Econômicas) da Alemanha calcula que, se a Grécia for obrigada a sair do euro e, por extensão, dar o calote na sua dívida, a Alemanha perderia € 87 bilhões (R$ 306 bilhões).
Por que? Simples: o corte de 2012 na dívida grega foi, na prática, a estatização da fatia perdoada (€ 100 bilhões ou R$ 352 bilhões), que passou dos bancos para os tesouros nacionais.
Mas o prejuízo político-institucional tenderia a ser mais relevante, pelo menos na análise de Martin Wolf, chefe dos colunistas econômicos do Financial Times.
"A união monetária [em torno do euro] já não seria irrevogável. Novas crises ocorrerão. Quando isso acontecer, a confiança na união seria menos do que completa depois da saída da Grécia", escreveu ele em sua coluna desta terça-feira (16).
Mas os negociadores europeus atuam como se a culpa da tragédia fosse do Syriza, o que é simplesmente absurdo.
A coligação ora no poder foi sempre oposição aos governos da Nova Democracia (conservadora) e do Pasok (Partido Socialista Pan-Helênico), responsáveis, sucessivamente, pela armação da crise e pelo "austericídio" como remédio para enfrentá-la.
O retrato correto foi desenhado nesta terça-feira (16) para "El País", por Timothy Garton Ash, catedrático de Estudos Europeus da mitológica Oxford: "Uma situação que já era ruim piorou por culpa dos governos gregos clientelistas que se endividaram com os juros alemães [baixíssimos] nos primeiros anos do euro, em conivência com seus oligarcas; agravou-se ainda mais com o tratamento prescrito pela Alemanha e o FMI".
O Syriza venceu as eleições, em janeiro, precisamente por se opor a ambas as situações.
Obrigar a coligação a trair suas promessas de campanha seria uma punhalada na democracia.
Mas chegou-se a um ponto tal em que o primeiro-ministro Alexis Tsipras terá que ou aceitar uma facada, a menos letal possível, ou arriscar-se a mergulhar em um mar nunca antes navegado, como seria abandonar o euro.
Tsipras fez a sua parte: negociou duramente e obteve duas concessões relevantes, a saber:
1) Os credores aceitam que o superávit primário (receitas menos despesas, sem contar o pagamento dos juros) seja de 1% do PIB em 2015 e 2% em 2016.
Os credores queriam um superávit maior e ainda insistem em 3,5% para 2018. "É como pedir a um futebolista com uma perna quebrada que seja artilheiro do campeonato antes de sair do hospital", escreve para "El País" o respeitado economista Santiago Carbó.
2) Obteve também o reconhecimento do FMI de que uma nova redução da dívida é necessária (eu diria que é indispensável).
Falta que as instituições europeias também concordem.
Se isso acontecer, restará a Tsipras obter o direito soberano de determinar que políticas seguirá para atingir o superávit primário combinado (os europeus preferem impor eles próprias tais políticas). Alguma austeridade adicional é tão inevitável quanto a redução da dívida.
Ou, em outras palavras, a escolha do premiê grego está agora em uma traição limitada a seus eleitores ou jogar-se em uma aventura que poderá ser uma segunda tragédia grega.
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