É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O papa, as massas e o vazio
O papa Francisco fugiu do texto previamente preparado em uma de suas apresentações públicas no Equador para pronunciar uma frase que é, a um só tempo, um retrato acabado dos tempos modernos e uma condenação a ele.
Lamentou o papa que a morte de um pobre não escandalize ninguém, ao passo que "a queda de três pontos na Bolsa de uma capital do mundo deixa todo o mundo louco".
Não é de surpreender, pois, que o papa fale seguidamente de revolução e derivados.
Aconteceu no Rio de Janeiro, durante o Encontro Mundial da Juventude, quando Francisco convidou a moçada a ser revolucionária.
Aconteceu de novo agora, quando disse, sempre no Equador, que a fé [dos católicos] é "revolucionária".
Só mesmo uma revolução de fato para que o mundo se comova mais ante a morte de um pobre do que ante a queda na Bolsa.
Mas, atenção, a revolução de que o papa tanto fala não é pegar em armas, derrubar os governos de turno e implantar regimes que corrijam as injustiças sociais de que Francisco também tanto fala.
Trata-se, como ele deixou claro de novo no Equador e certamente o fará outra vez na Bolívia e no Paraguai, de uma revolução interior, da prática cotidiana dos ensinamentos do Evangelho.
"Evangelizar é a nossa revolução", disse.
É bonita essa pregação. É igualmente importante que o papa, ao contrário de seus dois antecessores mais imediatos, esteja reverenciando religiosos perseguidos e/ou mortos pelas ditaduras que ensanguentaram a América Latina.
Na Bolívia, por exemplo, prestará homenagem ao padre jesuíta Luís Espinal, morto pela ditadura boliviana da época em 1980. Antes, em maio, beatificara monsenhor Óscar Romero, o arcebispo de San Salvador, fuzilado quando celebrava missa também em 1980.
Por mais louváveis que sejam a retórica humanista do papa e as homenagens aos caídos, suspeito que sejam inócuas.
O papa, chame-se Francisco ou João Paulo 2º, de fato atrai multidões em seus périplos pela América Latina, subcontinente de 425 milhões de católicos ou 40% do total mundial de seguidores dessa fé.
O problema é que, terminada a viagem, fica o vazio. O Pew Research Center, centro norte-americano especializado em pesquisas, como diz o nome, informa que, até os anos 60, 90% dos latino-americanos se diziam católicos.
Até então, os papas não viajavam à América Latina. O primeiro a fazê-lo foi Paulo 6º, em 1968.
Hoje, depois das multitudinárias concentrações para receber João Paulo 2º em suas 18 viagens pela região, os católicos são 69% –21 pontos percentuais menos, portanto.
William Neuman, em "The New York Times", faz uma comparação que Francisco certamente abominaria: "Como uma corporação multinacional que enfrenta queda nas vendas, redução da fatia de mercado, crescente concorrência e uma marca cansada, a igreja é vulnerável".
Quem sabe se ela fizer a revolução que o papa prega para o mundo externo, especialmente em matéria de costumes, essa multinacional da fé recupere os exércitos que vem perdendo.
O papa Francisco enfrentará esse desafio?
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