É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Rumo a uma ditadura capitalista
Por enquanto, a reabertura da embaixada de Cuba nos Estados Unidos e destes em Havana muda apenas as expectativas dos cubanos, e não a vida real.
Mesmo assim, as expectativas dos cubanos, sempre para o curto prazo, são extremamente realistas, conforme pesquisa publicada recentemente pelo jornal "The Washington Post": 64% esperam que a normalização de relações entre os dois vizinhos provoque uma mudança no sistema econômico, mas apenas 37% acreditam que mudará igualmente o sistema político.
Realista porque mudar a economia será apenas a continuidade de um processo de abertura gradual que já levou a um crescente número de empresas privadas e cooperativas atuando em uma economia ainda esmagadoramente estatal.
O setor privado e de cooperativas representava 25,3% do PIB em 2012, cinco vezes mais do que a fatia ocupada em 1989.
É absolutamente lógico imaginar que esse crescimento se tornará ainda mais significativo com a normalização de relações com os Estados Unidos e, principalmente, com o fim do embargo, que pode demorar, mas é inexorável.
Se é assim na economia, na política é o contrário. O máximo que os Estados Unidos imaginam é um "processo evolutivo", portanto gradual (e lento).
É o que mostra estudo sobre Cuba preparado pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso, com base em 37 entrevistas com personalidades cubanas, norte-americanas e latino-americanas que estudam ou trabalham com o dossiê Cuba.
A principal conclusão, na área política, é esta: "Não interessa a nenhum dos principais atores internacionais e latino-americanos um colapso traumático do regime atual. Segundo assessores do presidente Obama, do vice-presidente Biden e diplomatas do Departamento de Estado, o atual regime assegura uma proteção eficaz em uma zona costeira estratégica, que, em caso de um regime instável, poderia ser controlada pelo crime organizado.
Como é óbvio que a instabilidade tampouco interessa aos países latino-americanos, não parece haver uma força que empurre na direção da liberalização política.
O que pode provocá-la, em médio ou longo prazo, é o avanço do setor privado na economia e as inevitáveis comparações entre o sucesso dos cubanos que imigraram para os Estados Unidos e as carências dos que permaneceram.
Segundo pesquisa recente do Pew Research Center, a renda média dos lares cubanos residentes nos Estados Unidos é de US$ 38 mil (R$ 120 mil) por ano.
Já cada cubano de Cuba vive com US$ 6.848 (R$ 21.774) por ano (Banco Mundial, 2013).
É claro que essa comparação tem de ser levada com extremo cuidado, porque os cubanos gozam, no próprio país, de educação e assistência à saúde gratuitas, o que não acontece nos Estados Unidos.
Mas essa vantagem do socialismo não basta para reduzir o desejo dos cubanos da ilha de serem capitalistas ou, mais exatamente, de abrirem um negócio próprio.
É a intenção declarada de 70% deles.
A abertura de embaixadas ajuda na consecução do sonho. Resta ver quanto tempo resiste uma ditadura em um sistema crescentemente capitalista.
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