É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
O triste 'modelo' de Michel Temer
O vice-presidente Michel Temer, em recente visita a Portugal, disse que o país é um "modelo" para o Brasil.
Pena que os portugueses não concordem com ele: pesquisa publicada sexta-feira (2) pelo jornal "Público" mostra que quase 60% dos portugueses acham que o país está "pior" (18%) ou "muito pior" (39,8%) do que há quatro anos, quando se iniciou o programa de ajuste que o vice-presidente brasileiro considera modelar.
É com esse estado de espírito que Portugal vota neste domingo (4).
Nada surpreendente, de resto. O desânimo é tal que 485 mil pessoas deixaram o país desde o início do ajuste -o que representa cerca de 4% da população.
Pior: trata-se de gente em geral qualificada, a ponto de José Manuel Silva, da Ordem dos Médicos de Portugal, ter dito o seguinte ao semanário "Expresso", a melhor publicação portuguesa: "Estamos a tornar-nos a África da Europa ao exportar cérebros de alta qualidade para países desenvolvidos, a custo zero".
Uma segunda avaliação, igualmente assustadora, aparece em texto editorial do "Expresso": "Não estamos nem sequer perto de um equilíbrio orçamental, de uma economia que cresça de forma continuada ou de um país com uma demografia equilibrada", diz.
Completa: "Ainda temos um desemprego inaceitável, níveis de pobreza muito elevados, natalidade perigosamente baixa e demasiados desafios nas políticas públicas, da saúde à educação, passando pela mais discutida segurança social".
Mais um dado assustador: a economia sofreu um retrocesso de imponentes 6,5% de 2010 a 2014, quando se iniciou uma ainda tímida recuperação.
Pior: nem os indicadores econômicos que se pretendia sanear mostram-se saudáveis. O deficit público era de 4,7%, ao terminar o primeiro semestre, 50% acima do nível tolerado pelas regras europeias (3%). E a dívida subiu de 111% do PIB em 2011 para 129% em 2014.
Diante de tantos problemas, o natural seria a derrota do governo, comandado pelo conservador Pedro Passos Coelho, do PSD (Partido Social-Democrata).
Mas a coligação do PSD com o também conservador CDS (Centro Democrático e Social) está à frente nas pesquisas, embora longe da maioria absoluta.
Fácil de explicar: a alternativa a Passos Coelho, que implementou a maior parte do ajuste, seria o Partido Socialista, justamente o que, então no governo, pediu a intervenção dos credores, quando era liderado por José Sócrates.
Ainda por cima, Sócrates está preso, à espera de julgamento, acusado de corrupção -o que resvala obviamente no candidato socialista António Costa, que foi ministro e aliado próximo do acusado.
Para tornar o ato de votar menos atraente, há suspeitas sobre o socorro que o premiê Passos Coelho deu ao Banco Espírito Santo, lustrosa grife financeira, na altura de € 4,9 bilhões (R$ 21 bilhões).
Como não surgiram partidos alternativos, ao contrário da Grécia, Passos Coelho chega ao voto como favorito, mas a esquerda (PS mais Bloco de Esquerda mais Partido Comunista) pode ter a maioria dos votos. Essa insólita e inédita coligação é a preferida pelos portugueses, diz a pesquisa do "Público".
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