É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Giro argentino desafia Brasil
Não dá, ainda, para dizer quem vai ganhar a eleição de domingo, 25, na Argentina, mas já dá para dizer que, seja quem for, a política externa –a que mais interessa ao Brasil– sofrerá alterações importantes.
Se o vencedor for Maurício Macri, principal candidato oposicionista, a mudança será radical. Ele é um liberal de carteirinha e sua política externa será pró-Ocidente, ao contrário do que ocorre hoje, com uma Cristina Kirchner intervencionista e crítica dura do Ocidente.
Mas, mesmo que o vencedor seja o peronista Daniel Scioli, hipótese mais provável, a mudança tende a ser grande.
A melhor previsão sobre o que acontecerá nesse terreno com Scioli presidente é dada por um dos principais analistas argentinos, Juan Gabriel Tokatlian (da Universidade Torcuato di Tella):
"Scioli vai recalibrar a política externa, no sentido de procurar um equilíbrio intrarregional (menos Alba e mais Chile e México) e extrarregional (olhará para Oriente e Ocidente de modo mais equilibrado)".
Reuters | ||
Daniel Scioli e Silvina Batakis, que será ministra se o candidato vencer a eleição |
Traduzindo: o lógico é esperar um relativo afastamento da profunda vinculação que Cristina Kirchner manteve com os países bolivarianos e uma também relativa reaproximação com os países latino-americanos tidos como moderados, casos dos citados México e Chile, mas também de Peru e Colômbia.
Tokatlian adverte, no entanto, que a recalibragem não será nem fácil nem congruente.
O analista diz que, entre os assessores de Scioli em assuntos internacionais, há tanto "menemistas" como "kirchneristas" moderados.
É um equilibrismo típico de um político visceralmente adversário do confronto e inclinado sempre à conciliação. Mas conciliar "kirchnerismo" com "menemismo", em cujo seio, de resto, o candidato nasceu politicamente, é coisa de mágicos.
Afinal, Menem adotou políticas ultraliberais internamente e defendeu, externamente, o que chamou de "relações carnais" com os Estados Unidos, o contrário do que faz o governo que, a contragosto, assumiu Scioli como candidato.
Duvido que Scioli volte às "relações carnais" com Washington, mas há interlocutores de sua equipe de relações internacionais que me dizem que ele é, predominantemente, pró-mercado e pró-Ocidente.
Para o Brasil, a mudança com Scioli terá um lado positivo, já antecipado aliás pelo candidato, como a Folha informou na ocasião: uma tentativa de dissolver desencontros gerados pelo protecionismo adotado por Cristina.
Mas terá também um desafio: a Argentina tende a ser mais ouvida se de fato se afastar dos bolivarianos, que são minoritários nas Américas, embora façam muito ruído.
O Brasil, mesmo líder natural na região, pode ficar deslocado se mantiver a catatonia que caracteriza a política externa neste segundo período Dilma Rousseff.
E ainda há espaço para o que Tokatlian chama de uma "surpresa", se consideradas como são vagas as posições pessoais do candidato nesse terreno. "Essa hipotética surpresa pode mostrar um viés pouco latino-americanista e mais pró-Washington", diz o analista.
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