Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Turquia prefere o autoritário

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, demonstrou ontem que tem razão Soner Cagaptay, diretor do Programa de Pesquisa sobre a Turquia do Instituto de Washington para Política do Oriente Próximo, ao descrevê-lo com um "raro caso entre os líderes mundiais que é ao mesmo tempo democraticamente eleito e extremamente autoritário".

Erdogan conseguiu neste domingo (1º) não apenas ser democraticamente eleito, mas obter a sua quinta vitória consecutiva em 13 anos, quatro delas para primeiro-ministro e uma para presidente, todas, menos uma (em junho passado), por maioria absoluta.

Mas o presidente só recuperou ontem a maioria absoluta por ter dado demonstrações claras de extremo autoritarismo, ao reacender a guerra contra os curdos.

Saiu ao ataque não apenas ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão, dado como terrorista pela Turquia e também pelos Estados Unidos e pela União Europeia), mas também ao HDP (Partido Democrático do Povo), uma aliança entre setores curdos moderados e a esquerda laica turca.

Com isso, lançou na campanha eleitoral o fantasma do medo ao terrorismo. Deu certo: o HDP perdeu 20 dos 80 deputados que elegera em junho, resultado que havia sido essencial para romper a maioria de que o AKP sempre gozou.

O partido curdo mal conseguiu superar a barreira dos 10%, o número mínimo de votos necessário para ter direito à representação parlamentar.

Segunda demonstração do efeito da campanha do medo: o MHP (Partido de Ação Nacionalista) também perdeu deputados (quase 40).

O MHP é visceralmente anti-curdo e parece claro que o eleitorado achou mais prático dar o voto para um AKP que seria majoritário de qualquer forma e está endurecendo com os curdos do que a um partido bem menor e, portanto, menos eficiente sob esse ponto de vista.

A maioria absoluta obtida pelo partido de Erdogan não basta, no entanto, para lhe dar sustentação para seu grande objetivo, que é o de transformar a Presidência de cerimonial em executiva.

Para isso precisaria da chamada "supermaioria" (330 deputados), quando obteve 316.

Mas a diferença é pequena e pode ser eliminada se o presidente cooptar deputados do MHP, conservador e nacionalista como o AKP.

É natural, portanto, que membros da oposição, aí incluída a mídia opositora, que está sendo mais e mais perseguida, estejam em um estado de pânico.

Antes mesmo da votação, Mehmet Yilmaz, colunista do "Hürryiet", escrevia que a semana que passou (intervenção em duas TVs e dois jornais oposicionistas ) fora "um trailer do que haverá se o AKP obtiver a maioria absoluta".

Completou: "O espirito do filme é ameaça, maldição, força, violência e humilhação."

O que pode evitar a exibição desse filme na vida real é o fato de que o AKP ficou com a maioria das cadeiras, mas os votos foram divididos meio a meio (51% para os partidos oposicionistas e 49% para o AKP, com a apuração ainda não definitivamente encerrada).

Ou seja, uma Turquia democrática sacramenta um líder autoritário, exatamente como afirma Soner Cagaptay.

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