É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
A esquerda demole a esquerda
Após a espetacular vitória da oposição venezuelana no pleito de domingo (6), era natural que surgissem gritos pela renúncia do presidente Nicolás Maduro.
Mas, surpresa, o grito não saiu das eufóricas gargantas oposicionistas, de notável moderação em suas reações, mas do portal "Aporrea", que é uma espécie de diário-não-oficial do chavismo. Do chavismo original, não da versão que um "pajarito" ensinou ao sucessor.
O educador e pesquisador Javier Vivas Santana não se limita a cobrar a renúncia de Maduro. Exige também a de Diosdado Cabello, o presidente da Assembleia Nacional e, como tal, segundo homem na hierarquia bolivariana.
O colunista não economiza epítetos veementes para desclassificar a gestão Maduro: "nefasta, sectária, corrupta e vulgar".
Vivas Santana não é o único da esquerda a desancar o governo. Há, no portal esquerdista, uma bateria de colunas expondo entranhas podres do tal socialismo do século 21.
A mais abrangente é a de Carlos Sánchez, que não deixa pedra sobre pedra no edifício governamental.
Saúde, por exemplo: "Os hospitais estão caindo aos pedaços, sem insumos, sem camas, sem instalações adequadas, sem ambulâncias. Neles, o único que é grátis é a atenção dos profissionais de saúde, porque tudo o mais ou você compra ou não lhe atendem."
(Há um certo parentesco com o Brasil, não?).
Outro exemplo, educação: "Os docentes venezuelanos gozam dos piores salários da América Latina, se se comparam com os de professores de outros países. Sem mencionar que a maioria das escolas e liceus têm uma infra-estrutura péssima e sem os serviços mínimos requeridos para atender à educação."
(Não é uma queixa que se ouve também no Brasil?).
No único ponto em que o colunista compra a propaganda do governo (concorda que há uma "guerra econômica"), ainda assim sobram críticas pesadas:
"Não se põe em dúvida a guerra econômica, mas ela não foi atacada como deveria ser. Há muita impunidade e puxa-saquismo, porque parece que os poderosos têm amigos no governo."
Há até uma crítica, feita pela esquerda, dos programas assistencialistas que são o orgulho do bolivarianismo (e de outros governos supostamente de esquerda na América Latina).
Escreve Sánchez: "Em vez de investir dinheiro em resolver o problema econômico, o que se fez foi regalar o dinheiro em carros, tablets e até casas. E, como é evidente, as pessoas só valorizam o que se ganha com o trabalho e não o que é dado."
Corrupção? Também aparece no texto, como "um dos piores males que influíram nestas eleições. E não se ataca a corrupção de frente porque há muitos intocáveis".
Sobre a insegurança (a Venezuela tem a segunda maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes, atrás apenas de Honduras):
"A insegurança é o problema mais importante dos venezuelanos e é o menos enfrentado. Parece que se apoiam as gangues, em vez de combatê-las."
Repito: não é o único texto crítico em um portal da esquerda. No Brasil, no entanto, a esquerda é sócia do fracasso bolivariano, pelo silêncio burro e/ou ridículo.
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