É repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.
Ânimo, gente, já foi pior
Se eu tivesse um décimo do talento de um Carlos Heitor Cony, deveria preparar hoje um texto repleto de sinos bimbalhando, de alegria e de esperança.
Pensando bem, mesmo que tivesse o dom, ainda assim não conseguiria escrever algo sobre a esperança, pela simples e boa razão de que este parece ser o Natal da desesperança.
Para começar, termino 2015 R$ 1.200 mais pobre do que comecei. Eu, você e cada um dos 200 milhões de brasileiros, se estiver correta a conta de que a recessão custará ao país algo como R$ 240 bilhões.
Dinheiro pode não trazer felicidade, mas a falta dele é pior.
Aceitemos, em todo o caso, que não é época para materialismo. Ainda assim, resta o impasse retratado em uma frase das redes sociais que estou roubando da coluna dessa extraordinária jornalista que é Eliane Brum.
"Há hoje duas coisas indefensáveis: o impeachment e o governo de Dilma Rousseff."
(Aliás, a coluna de Eliane no "El País" Brasil chama-se exatamente "Em defesa da desesperança".)
O impasse que essa frase demonstra me deixa sem escolha no campeonato político brasileiro, de resto medíocre como o campeonato de futebol.
Temo que, nessa situação, o brasileiro acabe resvalando para um humor argentino. Cada vez que as coisas se põem feias, o argentino resmunga: "Todo tiempo pasado fue mejor".
Bobagem deles e bobagem maior ainda se os brasileiros adotássemos o saudosismo.
Já houve tempos passados que foram piores.
Cito apenas um, também de um momento próximo ao Natal: o 13 de dezembro de 1968, dia em que foi editado o Ato Institucional número 5, o mais selvagem instrumento de arbítrio já adotado no país.
Eu trabalhava no Estadão e, concluída a edição do dia, fomos, uma meia dúzia de companheiros, para um boteco em frente ao jornal. A minha sensação —e suspeito que também a dos companheiros— era a de que o futuro havia sido interditado para sempre.
Aí, sim, havia mil e uma razões para desesperança. Mas o futuro acabou sendo desinterditado ou em 1979 (com a anistia) ou seis anos depois, com o fim do ciclo militar.
Para mim, por pura sorte, a esperança ressurgiu antes porque a profissão me ofereceu a oportunidade de viver o porre democrático que a foi a Revolução dos Cravos em Portugal (1974) e, três anos depois, o reencontro da Espanha com a democracia.
Lembro-me perfeitamente de um dia de 1977 em que fui à sede do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), recém saído à luz do dia após 40 anos de interdição.
O elevador era velho, subia lentamente e rangia pesadamente a cada etapa vencida. O ascensorista resmungou: "Esto es como la democracia, lenta". Um velho socialista, de cavanhaque, com o pin do PSOE na lapela, fulminou o resmungo: "Lenta, pero segura".
Segura lá como cá. Em uma época não tão distante, uma crise como a que o país vive hoje já teria posto os tanques na rua e interditado de novo o futuro.
Agora, posso esperar –e desejar ao leitor– um 2016 melhor que 2015 e pior que 2017.
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